Afinal a revelação de 750 000 documentos não passa de mais uma cabala contra a Rússia, ou seja, a campanha contra a mulher mais rica de África resume-se a uma conjura para impedir que uma russa se torne Presidente de Angola. Neste jogo está envolvido o actual dirigente angolano João Lourenço, que também tem sérias “contas no cartório” no que diz respeito à corrupção no seu país.

Pelo menos é o que informam alguns órgãos de informação de Moscovo.

A imprensa russa tem dado alguma importância ao “Luanda Leaks”, mas nada que se assemelhe ao que, se passa, por exemplo, em Portugal. Fundamentalmente, limita-se a reproduzir aquilo que é publicado pelos órgãos de informação ocidentais. Porém, no dia 22 de Janeiro, ao fim da tarde, o jornal electrónico Vzglyad publicou um comentário com um título muito sugestivo: “O Ocidente impede cidadã russa de se tornar chefe de Estado em África”.

A opinião pertence a Evgueni Krutikov, antigo militar e correspondente de vários órgãos de informação russos em “regiões quentes” como o Cáucaso ou os Balcãs. A julgar pelo conteúdo do texto, ele tenta mostrar-se um conhecedor atento da situação política em Angola.

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Peço desculpa pelas numerosas citações, mas elas são importantes para não ser acusado de deturpar as ideias do seu autor.

“Na imprensa internacional começou um ataque contra a mulher mais rica de África, filha do antigo Presidente de Angola e de uma estudante soviética. Afirma-se que Isabel dos Santos é um “monstro da corrupção”. Mas o fundamental é que esta mulher é cidadã da Rússia e tem possibilidades reais de se tornar presidente do país com a economia que mais cresce em África”, considera Krutikov.

Depois de dar uma nota muito positiva, misturando com alguns aspectos negativos, da era de José Eduardo dos Santos, Krutikov deixa-nos um retrato bastante negativo de João Lourenço: “Velho combatente que terminou a Academia Político-Militar Lenine de Moscovo em 1982. Durante a governação de Agostinho Neto e dos Santos, ele destacou-se por uma relação extremamente cruel com os opositores (basta recordar a “Matança de Halloween” de 1992) e pela verdadeira fé no marxismo-leninismo. Isso não o impediu de, em 1991, mudar imediatamente para a “plataforma do socialismo democrático”. Depois de se tornar a primeira pessoa em Angola, João Lourenço começou, recorrendo a métodos recordistas, a livrar-se dos partidários e homens de dos Santos”.

“O Presidente Lourenço posiciona-se como um lutador contra a corrupção, o que é de grande agrado da opinião pública ocidental. E já não tem importância se ele nomeia os seus fiéis camaradas e parentes para os lugares deixados vagos pelos homens de dos Santos”, opinia o jornalista russo.

Evgueni Krutikov defende que João Lourenço “não conseguiu afastar definitivamente do poder a ala conservadora no MPLA, que ficou aterrorizada com a retórica liberal do novo presidente e uniu-se em torno da família dos Santos… No aparelho do governo e do partido formou-se um grupo anti-presidencial com o nome de eduardistas, dirigido pelo antigo secretário-geral do MPLA Juliano (Dino) Matris (sic!), o “Suslov angolano”, principal ideólogo do partido e ministro da Segurança de Estado durante algum tempo”.

“O interessante é que Dino Matris foi, durante muito tempo, parceiro de negócios de João Lourenço. Em 2009, ganharam o concurso público para a construção da maior fábrica de cerveja em Angola, o que originou, entre outras coisas, a abertura de off-shores no Chipre, etc. Por isso Dino Martris sabe muita coisa interessante sobre o actual presidente, o “combatente contra a corrupção”.

Segundo o jornalista russo, esse grupo (eduardistas) poderá utilizar Isabel dos Santos como bandeira nas eleições de 2022 e ter êxito pelo seguinte: “todas estas histórias influem apenas no leitor ocidental, pois em Angola as prioridades são outras. Em geral, a governação de dos Santos é vista pela população de forma positiva, o crescimento claro do nível de vida era claro, enquanto a retórica liberal não é compreendida pela população. Os dois próximos anos prometem ser interessantes”.

Este artigo pode ser apenas uma opinião do jornalista, mas pode constituir também um sinal de que Isabel dos Santos começa a ter na Rússia um apoio cada vez maior. Como é sabido, Vladimir Putin convidou para a Cimeira Rússia-África, realizada no ano passado, não só João Lourenço, mas também Isabel dos Santos. Esta foi alvo das atenções da imprensa russa, principalmente quando anunciou que poderia fazer investimentos nesse país no campo das altas tecnologias. Além do mais, ele vem desenvolvendo esforços a fim de abrir caminho à Efacec no mercado russo.

Por enquanto, o Kremlin tenta desenvolver relações económicas e científicas com Luanda. Por exemplo, recentemente, a Rússia e Angola assinaram um acordo de cooperação que, entre outras coisas, prevê a instalação em Angola de estações do GLONASS (análogo russo do GPS), bem como a investigação espacial.

Porém, se a situação em Angola se desenvolver em desfavor de João Lourenço, Moscovo pode perfeitamente apostar na “princesa russo-africana”. Pragmatismo não falta a Vladimir Putin.