O Presidente e o PM perceberam que os portugueses precisam de um discurso positivo, de boas notícias e de alegria. Como disse Marcelo Rebelo de Sousa, é necessário “pacificar e desdramatizar a sociedade portuguesa, para uni-la.” Marcelo e Costa acreditam que gozam do talento de usar a retórica adequada para mudar o humor dos portugueses. E não é um talento menor, longe disso.

Quando olhamos para fotografias dos dois juntos, sentados em Belém ou na escadaria de São Bento (gosto de perder algum tempo a olhar para as fotografias, dizem muito), transpira uma imensa felicidade. Marcelo Rebelo de Sousa e António Costa são dois homens felizes (parecem a versão política do “Sr. Feliz e do Sr. Contente“). Fazem-me lembrar dois meninos que receberam os brinquedos dos seus sonhos. Cada vez que olho para uma fotografia dos dois, o desafio é tentar perceber qual deles está mais feliz. Tanta felicidade quase que emociona.

Os homens (ou mulheres, mas os dois casos a que me refiro são homens) felizes têm mais facilidade em espalhar felicidade pelos outros. Comparem uma fotografia de Marcelo e de Costa com uma fotografia de Cavaco e de Passos Coelho, quando eram respectivamente Presidente e PM. Parece um dia de sol e um dia de chuva. Parecia que Cavaco e Passos carregavam os problemas de Portugal nos ombros. Pareciam tudo, menos felizes. Por mim, dado o estado do país, prefiro líderes preocupados do que líderes contentes. Dão-me mais confiança. Mas sei que pertenço a uma minoria. A maioria dos portugueses gosta de líderes felizes. Sobretudo depois de quatro anos de “austeridade.”

Serão os discursos felizes e optimistas capazes de mudar a realidade? Peço desculpa por relembrar a realidade quando seria suposto andarmos todos entusiasmados. O que nos diz então a realidade? Como mostram os últimos números orçamentais, as contas públicas estão a piorar. A dívida privada é ainda maior que a dívida pública. Os bancos portugueses estão dependentes do financiamento do BCE. O que obviamente Mário Draghi irá explicar no dia 7 de Abril no Conselho de Estado. Se Marcelo e Costa continuarem felizes depois esse dia, é porque gozam de uma felicidade incurável.

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Um discurso muito optimista corre o risco de provocar expectativas que não se cumprem. Vejamos os exemplos do BPI e do BCP. Umas quantas conversas em Belém e em São Bento resolveriam os problemas. Os “espanhóis” ficam com o PBI e os “angolanos“ ficam com o BCP. Como se a vida fosse assim tão fácil. Quem decide o futuro dos bancos portugueses é Frankfurt (e Bruxelas) e os seus acionistas, não é Belém nem São Bento. Não é só uma questão dos Tratados europeus assinados e ratificados pelos partidos de Marcelo e de Costa. É sobretudo uma questão de dinheiro. Sem o financiamento do BCE, os bancos portugueses não sobrevivem.

Também sei que o novo discurso oficial nos diz que a política se deve impor à economia. É precisamente o que o Presidente e o PM estão a tentar fazer. Um discurso político optimista para tentar recuperar uma economia sem muita confiança. Mas duvido muito que as boas palavras e a política do optimismo reduzam as dívidas. Por mais boa vontade e voluntarismo que haja, o factor central da política portuguesa continua a ser o extremo endividamento do país. O sector público, o sector privado, o sistema financeiro, as famílias, estão todos endividados. Um país afogado em dívidas, sem moeda própria, perde poder e depende dos seus credores. Posso estar engando, mas desconfio que nem Marcelo nem Costa, com todo o talento político que possuem, serão capazes de alterar a realidade.

Se assim acontecer, mais tarde ou mais cedo, a felicidade dos dois vai parecer completamente afastada da realidade. Os portugueses poderão nessa altura perguntar se os seus líderes vivem no mesmo mundo da maioria dos comuns mortais. E aí regressará o tema da confiança ao centro da vida política. Também sabemos que os políticos talentosos têm uma enorme capacidade para arranjar culpados. Mas mesmo para Marcelo e para Costa será difícil culpar Cavaco e Passos. A “Europa”, essa senhora de ombros muito largos, estará mais a jeito. Mas suspeito que não será suficiente. Um dos dois, o “Sr. Feliz” ou o “Sr. Contente” terá que “dizer à gente como está o nosso país.“