Meu querido Portugal,

Venho pedir-te desculpa. A ti me dirijo pois é, unicamente para ti, que se me oferece fazê-lo. Hoje, o silêncio vence-me de uma forma avassaladora. Cito-o, para que entendas como me sinto. (…)
Ao longo das últimas horas, os séculos de história que te contemplam choraram desalmadamente a tua tragédia – de mão ao peito, com a vista pregada no teu sofrimento, sussurrando o hino a que soas – no desejo de que o verde ardido não levasse consigo a cor da esperança, que a pátria em ti pintou.
A dor é colossal e, ao contrário do fogo, não se extingue; não se apaga; não se esquece; nem se perdoa. O Estado que te governa, não te sabe, primeiramente, salvaguardar – e, quando confrontado com o tema, esquiva-se das suas responsabilidades, enveredando pelo desplante de te atirar “cinzas” para os olhos.
Entre a dúvida que paira relativamente à causa do que terá espoletado esta situação caótica, sobra a certeza de que a mesma se agravou graças à irresponsabilidade, à incompetência, à preguiça, à incúria e à negligência de um Governo, que não te ama tanto quanto nós – porque já dizia o outro “quando a gente gosta, é claro que a gente cuida!”. Sentimos a tua revolta, porque ela também é nossa.
O Pinhal de Leiria despediu-se de nós, embarcando em naus e caravelas que ao fim de 750 anos de história descobriram, não uma nova parte do mundo, mas um fim tenebroso dele. De Norte a Sul, o património que te personifica tornou-se mais preto do que nunca, cuidando que a orla branca que sempre te iluminara é neste momento pouco mais do que o reflexo das chamas no céu.
Quem diria que de heróis do mar passaríamos a heróis da terra.
Catarina Teles de Menezes, estudante de Direito na Universidade Nova de Lisboa, 20 anos

Ontem e hoje a história repete-se

Escrevi parte deste texto no último mês, mas hoje pareceu-me obviamente oportuno organizá-lo e partilhar convosco em forma de carta aberta.
No último ano reaproximei-me do interior de Portugal, do lugar do meu nascimento. Tenho na minha memória a Serra da Gardunha antes e depois do fogo.
Não se “tratam” de mais uns quantos hectares ardidos! Até porque estas coisas não se “ tratam” como este país teima em repetir. Já nem vou mencionar a prevenção e a sensibilização que falharam! Aponto os apoios que ainda não chegaram. São necessárias ajudas extraordinárias. Já! E deixemo-nos de formalismos e palavrões, de papelada e relatórios de responsabilidade política.
O resultado está à vista. Não deviam “eles” ocupar-se antes com as populações transformadas em cinzas? Esses apuramentos disciplinares não são para esta hora! Uma hora em que as pessoas não sabem o que vão comer ou onde vão dormir amanhã. Às pessoas só resta a promessa de um fundo de solidariedade europeu que ainda está em modo de “candidatura”.
Regressei ao Fundão poucos dias depois e o cenário era apocalíptico. As cores haviam-se perdido. O preto e o branco reinavam no ecrã da minha máquina fotográfica de tal maneira que me dificultavam um disparo.
Nos próximos anos a sombra (a pouca que resta) confundir-se-á com a escuridão da cinza. São florestas e economias familiares em choque, todo um ecossistema que se vê obrigado a uma regeneração precoce. Bem dizem que as árvores morrem de pé, mas logo na primeira semana era já o estalar dos troncos que fazia prever o seu fim. Eram as suas últimas reacções.
Um dos relatos que mais me impressionou, para além do panorama catastrófico, foi o chiar assustador das árvores a arder, era como que se a terra chorasse, diziam.
Regressei ao Porto e ainda há tanto por fazer! Incansáveis são os grupos de voluntários e as atenções amigas que ajudam a dar o primeiro passo no chão queimado e ainda quente. O tom das conversas parece antever as consequências das próximas chuvadas. Percebe-se a aflição daqueles que nos próximos meses terão os tubos a cuspir negro. Os elementos básicos esgotaram-se . São matas centenárias , quilómetros de gota a gota, estufas, terreno de pasto, reservas de água e máquinas agrícolas destruídas pelas chamas!
Às vezes não sei se são as pessoas que não têm voz ou se nem sequer se chegam a importar de o fazer. Parece que vivemos num feliz passividade que de vez a vez se move em atos de pretensa solidariedade. Falta a voz de um povo activo para dizer que está errado, o antes e o depois, a prevenção e a solução. Os tópicos são sempre os mesmos, mas este país parece sempre remendar em vez de cuidar.
Como vai o Estado conseguir suportar o preço dos interesses dos grandes polvos? Porque no café continuarão a sentar-se de costas voltadas ao balcão o incendiário e o bombeiro sapador! E todos sabem do que se passa do lado de lá da cortina, mas poucos são os que se atrevem a mudar o guião da peça a que assistimos. Bem, não mencionemos agora esse assunto, são averiguações para outra altura. O sol parece não dar tréguas . Há a imagem de um Portugal que precisa de um recomeço. E a cassete é sempre a mesma!
Temos de nos consciencializar do extremo civilizacional e do excesso da luxúria disfarçada . Vivemos no verso e no reverso, na oposição de um mundo à beira do precipício e de uma sociedade que treme ao olhar o desfiladeiro de uma realidade sem justiça social.
Ontem e hoje a história repete-se.
Mariana Luísa Leitão

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Carta Aberta a Catarina Martins

Cara Catarina Martins,
Sou portuguesa. A minha cor política e a sua não interessam. Somos duas mulheres de luto pela morte escusada de mais de 100 compatriotas.
Embora não me conheça, admita que gosto do meu País. Eu conheço-a, até acho que já fez muito mal ao País, mas admito que acredita que faz bem e portanto que gosta do nosso País.
Pelo que ouço e leio, penso que estava satisfeita com a solução governativa encontrada. Acreditando que gosta do nosso País, assumo que hoje, esta solução já não a satisfaz. Esta solução carrega às costas a responsabilidade de muitas mortes inocentes. O nosso Primeiro Ministro responde moralmente por cada uma delas.
Soube pela comunicação social que vai ser submetida à AR uma moção de censura. Politicamente vem num mau momento: o PS está em alta à custa dos acordos com o BE e o PCP, o PSD à procura de novo líder, O PCP a perder terreno e o BE eventualmente a perder protagonismo aos olhos dos portugueses, cedendo sem querer os louros ao PS.
Como portuguesa de luto, pergunto se é hora de fazer contas sobre o que convém politicamente ou, ao invés, preservar a vida dos portugueses que ainda estão vivos?
O que sabemos e podemos esperar do nosso Primeiro Ministro é que “situações como as de domingo vão repetir-se”. É isso que queremos?
Apelando ao seu bom senso e à sua humanidade, peço-lhe que aprove a moção de censura para nos poupar à irresponsabilidade e desumanidade do Dr. António Costa.
Talvez pessoalmente não lhe seja conveniente. Há alturas em que valores mais alto se levantam.
Rita Fontoura