Gostava de morrer como vivi. Com a mesma liberdade, com a mesma teimosia, com a mesma gratidão a quem cuidou de mim.

Gostava de morrer com a mesma liberdade (ou falta dela) com que nasci. Dizem que então chorei e que foi bom tê-lo feito. Dizem que também sofri, pois talvez tendesse a viver para sempre no ambiente fechado em que até então cresci.

Gostava de morrer como nasci. Rodeada do mesmo cuidado. Do mesmo carinho. Como vivi. Procurando beijar as mãos de que tantas vezes dependi. As mãos, os olhos, a atitude dos que, estando perto, me transmitiam certeza, segurança. Me repetiam e me repetem: é bom que existas; é bom que estejas aqui.

Gostava de morrer quando morrer. Receio dar ordens à morte. E se ela se enganar? E se eu me enganar? E se me faltar tempo? Liberdade? E se cortando assim a relação com os outros, com toda a gente, ainda me faltasse dizer alguma coisa a alguém: um pedido, umas palavras de amor, de perdão…? E se rompendo assim a relação comigo própria, não chegasse a encontrar o sentido de tudo isto, da minha vida e da minha morte?

Gostava de morrer quando morrer. Não quero programar o dia em que hão-de chorar por mim. E se não chorarem? E se chorarem pelo abandono a que os votei, não por mim? E as lágrimas forem de quem se dispunha a cuidar-me, tornando-se mais pessoa, mais capaz de sentir o que a une aos outros?

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Agarro com as duas mãos, com senhorio, o meu ser em dor. Peço à minha liberdade que me acompanhe até ao fim. Autodetermino-me a morrer quando a morte vier. Quem disse que a dignidade é incompatível com sofrer?

Não permitirei que ninguém me mate. Não sou verso solto. E não quero que por mim, ou seja por quem for, alguns de entre os melhores comecem a desfazer o tecido social, a quebrar os fios da nossa coesão. A vida não é o valor mais alto da existência pessoal: pode dar-se a vida por uma causa, por alguém. Mas a norma das normas, a que estrutura e suporta o viver comunitário, não deve ser tocada e é esta: «não mates outra pessoa».

Professora da Faculdade de Direito de Coimbra