A independência de um novo Estado é 10% de Direito Internacional e 90% de Realpolitik. Ainda que a proporção fosse a inversa, as hipóteses de a Catalunha se tornar um Estado independente seriam as mesmas: zero.

Começando pelo Direito Internacional, a Catalunha não é um candidato viável à aplicação do princípio da autodeterminação dos povos. Não é uma colónia, nem o seu território foi ocupado militarmente por uma potência estrangeira. Os catalães não são um povo perseguido, nem constituem tão-pouco uma minoria étnica ou religiosa oprimida, vítima de violação sistemática dos seus direitos fundamentais. Naturalmente, as bastonadas que a polícia espanhola desferiu sobre uns quantos manifestantes no dia do referendo não fazem dos catalães um povo mártir.

Bem pelo contrário, na sequência da Constituição de 1978 a Catalunha tornou-se numa comunidade dotada de um estatuto especial de autonomia, que lhe confere significativos poderes legislativos, administrativos e financeiros ‒ entre os quais se inclui a faculdade de cultivar uma língua própria e de a ensinar nas escolas públicas. Graças em parte a esse especial enquadramento jurídico, alcançou um invejável índice de prosperidade económica, bastantes pontos acima da média espanhola. Tudo isto no quadro de um Estado de Direito democrático, respeitador dos direitos de todos os cidadãos e dos estatutos autonómicos das suas diferentes regiões.

Por outro lado, o referendo realizado no passado dia 1 de outubro está longe de ser decisivo no plano do princípio democrático. Não será tanto pelo facto de o Tribunal Constitucional ter declarado, sem margem para dúvidas, a inconstitucionalidade do ato referendário. Ainda que tal decisão possa ter conduzido à abstenção de muitos eleitores (presumivelmente contrários à independência), para não legitimarem com o seu voto um processo nascido à margem da lei. Determinante será antes a ausência das condições adequadas à realização do referendo, que objetivamente não garantiu a todos os catalães a possibilidade de expressarem a sua opinião de forma livre, esclarecida e isenta de constrangimentos. A circunstância de o referendo ter sido organizado em exclusivo pelos próprios independentistas é bem reveladora, levantando sérias dúvidas sobre a fidedignidade do resultado final.

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Não há democracia sem eleições, mas nem todos os atos eleitorais constituem um argumento irrebatível à luz do princípio democrático. As eleições têm de ser livres, competitivas, pacíficas e transparentes. Por maioria de razão, quando se trata de referendos ‒ que são processos muito mais facilmente manipuláveis do que as eleições ‒ também não se pode assumir que todas as consultas populares produzem resultados válidos à luz do princípio da soberania popular.

Por conseguinte, para a comunidade internacional, a situação da Catalunha é simplesmente um problema interno de Direito Constitucional e não um problema de Direito Internacional. Ou melhor, é uma questão para o qual a única resposta do Direito Internacional reside no princípio da não ingerência nos assuntos internos dos Estados.

Numa perspetiva de Realpolitik as pretensões da Catalunha são ainda mais irrealistas. Na verdade, para que um Estado possa aceder à independência, tornando-se membro de pleno direito da comunidade internacional, é necessário que os outros Estados mais antigos lhe reconheçam formalmente essa qualidade.

Ora, neste quadro, que Estados poderão reconhecer a Catalunha como um Estado independente? Se excluirmos porventura alguns Estados párias ‒ género Venezuela ou Coreia do Norte ‒ a resposta é simples: nenhum. Porquê?

Pensemos em Portugal, cercado de Espanha por todos os lados (exceto pelo lado do mar). Ou na França, que tem tido algumas dores de cabeça com a Córsega e ainda tem possessões coloniais além mar. E na Itália, que é um Estado unitário regionalizado ‒ exatamente como a Espanha ‒, e cujas regiões do Norte, cansadas de contribuir para as regiões pobres do Sul, já se organizaram politicamente em partidos e ligas autonomistas. Já o Reino Unido bem gostaria de evitar um novo referendo na Escócia. Por sua vez, a Alemanha, que esperou 40 longos anos pela sua reunificação, talvez tenha alguma dificuldade em compreender a necessidade de a Catalunha se separar do resto da Espanha. E certamente que o primeiro passo não será dado pela Grécia, que aprecia tão pouco ter um Estado independente chamado Macedónia, junto à sua fronteira, exatamente com o mesmo nome de uma das suas principais regiões.

Fora da União Europeia, a única hipótese seria Puigdemont ligar a Trump, Putin e Xi Jinping. Mas, mesmo que consiga o número de telefone, não parece que estes lhe devolvam a chamada!

Diretor da Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa