Que Portuguesa determinou as formas do cozido? Que Valenciana as do arroz? Quem era A Francesinha? São perguntas para entendidos. Devemos a entendidos: a identificação de quem grelhou o primeiro robalo; que ‘escalopes’ vem da raiz indo-europeia ‘sk’, a qual sugere coisas cortadas finamente; que um certo bolo de chocolate e doce de alperce foi criado pelo fundador do masoquismo; e a revelação de que Joaquim Braz chegou a conclusões sobre o bacalhau, as quais terá levado à prática. Mas na prática a prática interessa pouco: em matérias culinárias é-nos relativamente indiferente quem inventou o quê; as questões de responsabilidade e de cultura geral não nos preocupam.

Lembramo-nos porém de muito do que comemos, e do nome que outros lhe deram. Ora o nome dessas grandes receitas costumava esconder um mistério tão opaco que ninguém dava por ele: fazia parte da natureza das coisas, como a poesia e o enjôo. Esses nomes habituais foram no entanto gradualmente substituídos. Fala-se em questões culinárias uma língua verbosa; mas incompreensível. Na nova língua caíram em desuso expressões como ‘banana com queijo;’ e a grande distinção metafísica entre sopa, resto e fruta.

E frequentemente não se fica por aqui. Os nomes antigos de receitas (‘roupa velha’, ‘fatias douradas’, ‘consommé’, ‘sopas de cavalo cansado’) nunca tentavam os utentes à culinária: eram mistérios sem explicação que nos limitávamos a associar a certas coisas que nos aconteciam. Os que os substituíram têm pelo contrário o aspecto de sugestões destinadas a comunicar ao público segredos da confecção, embora em código. Não é invulgar ‘jardim de chaputa azotada e gasosa, em sua redução’; ou ‘merengue de ostra sobre leitão confitado, em pavé albardado.’ Os nomes são pérfidos. Quando, seguros da descrição respectiva, nos aprestamos na cozinha a equilibrar o merengue no leitão ocorre toda a espécie de catástrofes. Será que não albardámos o pavé à vontade da ostra? Teremos dado tempo de menos ao merengue?

A tentativa de comunicar receitas do mistério só acrescentou confusão; a forma mais recente de mistério culinário. Nenhum desses nomes novos é realmente de receitas ou comida: são antes modos de elevar à mente coisas que nos entrarão depois pela boca dentro; e em particular modos de elevar acima da mente quem as faz. Os inventores dos nomes novos pertencem à grande família da esfinge sonsa de Tebas, e da arte conceptual: ninguém percebe nada do que dizem, e a sua resposta para todas as perguntas é ‘eu.’ Poucos confessaremos em voz alta, e muito menos de boca cheia, que ignoramos o que possa querer dizer ‘em sua redução.’ Mas durante a digestão, a caminho de casa, não é raro continuarem a ressoar nas nossas cabeças as dúvidas que ficaram sem resposta: redução a quê? Redução de quem?

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