Como já se previa, a nova lei da cópia privada foi aprovada esta sexta-feira, na generalidade, com os votos favoráveis da maioria PSD/CDS. A aprovação desta lei, que constitui um caso flagrante e particularmente nefasto de rent-seeking, fica como uma mancha não apenas para o Governo no seu conjunto, mas também para cada um dos deputados do PSD e CDS que a votou favoravelmente na Assembleia da República.

Jorge Barreto Xavier, marcado por um trajecto profissional em que esteve numa situação de proximidade com os meios culturais que mais fortemente fizeram lobby a favor da nova lei, consegue um importante triunfo pessoal. De facto, conseguir impor um significativo e injustificado agravamento fiscal em prejuízo não só dos consumidores e da economia portuguesa, mas também dos próprios interesses eleitorais do PSD e do CDS é um feito que evidencia o peso político do actual secretário de Estado da Cultura. Considerando adicionalmente que o feito foi logrado a um ano das eleições e num país que atravessa ainda uma grave crise orçamental, económica e social, os principais beneficiários – desde logo a AGECOP (Associação para a Gestão da Cópia Privada) e as entidades associadas – têm amplas razões para aplaudir Jorge Barreto Xavier.

A aprovação é tanto mais notável quanto continua por demonstrar o hipotético prejuízo causado pela excepção da cópia privada. Em sentido contrário, um estudo recente pedido pela Comissão Europeia conclui que os prejuízos supostamente associados à cópia privada não parecem ser suficientes para justificar o estabelecimento de um mecanismo compensatório, acrescentando que a prazo todos os envolvidos beneficiariam com o fim das taxas actualmente existentes. Na mesma linha, vale a pena recordar que no Reino Unido foi recentemente legalizada a cópia privada sem imposição de qualquer mecanismo de compensação fiscal associado.

Vale a pena recordar também que em Espanha – onde existe um mecanismo de compensação com base no Orçamento de Estado (em si mesmo uma opção menos geradora de distorções) – o montante a atribuir a título de “compensação equitativa” foi calculado em cerca de 8,6 milhões de euros. Ajustando à população (e esquecendo a diferença de rendimentos, que tornaria o ajustamento ainda maior), isso equivaleria a um montante inferior a 2 milhões de euros em Portugal. Ora o próprio Governo português aponta para um encaixe entre 15 a 20 milhões de euros, ou seja “apenas” cerca de 10 vezes mais do que o que seria aplicável por transposição do padrão adoptado em Espanha.

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Aliás, a nova lei da cópia privada colocará Portugal muito perto do topo da lista no que diz respeito a este tipo de taxação no âmbito da União Europeia. Talvez seja também por isso que os defensores da lei preferem refugiar-se numa suposta obrigação resultante de directiva europeia (que não obriga a este modelo de aplicação específico), insinuar que a mesma visa combater a pirataria (o que foi já explicitamente considerado ilegal pelo Tribunal Europeu de Justiça) ou sugerir que os consumidores não sofrerão com ela (o que desafia noções básicas sobre a incidência de impostos sobre o consumo). No fundo, estamos perante um reconhecimento tácito de que, nos seus próprios termos, a nova lei da cópia privada é tão absurda que se torna indefensável.

Resta o argumento de redistribuição pura de rendimentos para artistas e criadores. Mesmo que se aceite que essa redistribuição é desejável, fica por demonstrar que o modelo actual para gestão das receitas do imposto é justo, eficaz e eficiente para essa finalidade, havendo boas razões para supor o contrário. Como oportunamente sugere Pedro Pita Barros, parecem existir várias alternativas preferíveis face à manutenção do status quo:

“(…) se estamos a falar de pagamentos que são realizados devido ao poder coercivo do Estado, porque não ser este a tratar dessa redistribuição? Assim, esta verba deverá ir para a Secretaria de Estado da Cultura que depois a atribuirá diretamente aos artistas registados para o efeito (registo que pode ser feito numa plataforma informática simples). Talvez mesmo ter um subdirector geral com essa competência atribuída.

Ou caso esta missão seja atribuída a uma entidade externa, então os salários e as despesas praticadas nessa instituição deverão seguir as mesmas regras da administração pública, com equiparação do presidente da instituição a sub-director geral para efeitos de vencimento, e a partir daí estabelecer a cascata de remunerações. Obviamente acompanhando as regras da função pública neste campo. As receitas e despesas deverão ser auditadas regularmente por entidades públicas, tendo o Tribunal de Contas também possibilidade de intervenção.

Ou podemos ainda tentar uma solução de “mercado” – colocar a concurso a gestão deste imposto (mais vale usar o nome correcto), em que as entidades externas interessadas apresentam as suas propostas de custo para essa gestão.”

Em qualquer das alternativas propostas por Pedro Pita Barros teríamos muito provavelmente uma situação mais transparente e uma redistribuição mais eficaz do que a actualmente existente, mas há boas razões para supor que qualquer uma delas merecerá forte oposição por parte das estruturas burocráticas (e respectivas clientelas) que são as principais beneficiárias da lei da cópia privada.

No momento em que escrevo, mais de 7000 pessoas já assinaram a petição contra a nova lei da cópia privada. É provável que nenhum número de assinaturas seja suficiente para travar a lei, mas resta a consolação de que, quanto mais alargada for a discussão, maior será o custo político imposto aos responsáveis pela sua aprovação.

Professor do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa