Sim, vi o filme na semana passada, mal chegou até nós. E, sim, vou ver mais vezes. E vou hoje voltar a escrever sobre Churchill. Há uma desprezível seita anti-Churchill que o insulta sistematicamente nos ‘sites’ abertos de comentários da imprensa. Devem essa liberdade a Winston Churchill.

Na sala de cinema não estava muita gente — embora uma longa fila esperasse depois cá fora para a sessão seguinte. Na minha sessão, havia três senhoras francesas. Tal como eu, viram o filme em permanente tensão, inclinadas para a frente, com as mãos nas faces. No fim, aplaudimos discretamente.

É um grande filme (com alguns episódios menos felizes) e, sobretudo, com grandes actores. Mas é sobretudo um grande filme para aqueles que amam a liberdade e sabem o que ela vale. Nem todos sabem o que ela vale. E muitos são feitos para servir. Sobretudo ‘aqueles que pedem à liberdade algo mais do que a própria liberdade’ , como alertou Alexis de Tocqueville.

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Winston Churchill não foi feito para servir. E não pedia à liberdade mais do que a própria liberdade. Era um patriota orgulhoso da história da sua nação marítima e independente — da sua ilha, como refere várias vezes no filme. Era um falante de inglês, orgulhoso da história dos povos de língua inglesa, incluindo a grande democracia americana — sobre os quais escreveu o último dos seus 40 livros e ao qual dedicou cerca de 25 anos, sem nunca desistir.

E era também, crucialmente, um grande admirador da civilização europeia e ocidental — no seio da qual sempre entendeu a sua nação e os povos de língua inglesa. Cícero e Shakespeare, além da Bíblia, são as únicas referências citadas por Churchill no filme. Mas o filme podia ter acrescentado algumas passagens dos inúmeros discursos em que ele associou a defesa da sua ilha à defesa da civilização europeia e ocidental — contra as barbáries imperialistas nazi e comunista, que desencadearam em conjunto a II Guerra com a combinada invasão da nação Polaca em Setembro de 1939.

Tudo isto foi-me explicado por Karl Popper, com grande intensidade, há trinta anos, em 1988, quando o visitei pela primeira vez na sua casa em Kenley, ao sul de Londres. Agora, quando, em apertado silêncio, assistia ao filme sobre Churchill, era a voz de Popper, há 30 anos, que eu ouvia em surdina, sob a voz de Churchill no filme.

Popper vivia numa ‘cottage’ encantadora, com um belo jardim, que ele conservava imaculado. Tinha uma vasta biblioteca, onde apenas se encontravam os grandes livros e os grandes autores da civilização ocidental. Fiquei por isso surpreendido ao ver duas gigantescas prateleiras com livros de e sobre Churchill. E perguntei-lhe por que motivo tinha tantos livros sobre Churchill, tendo ele sido basicamente um político.

Popper olhou-me intensamente. Houve um silêncio. E, a seguir, mandou-me sentar com um gesto inquestionável. ‘Sente-se rapaz! Receio ter de lhe ensinar algumas coisas muito sérias!’

Eu sentei-me, perplexo. E escutei-o atentamente, por mais de uma hora. Foi uma lição magistral. Sobre Churchill e sobre como ele salvou a civilização europeia e ocidental da pestilência nazi e, depois, da comunista.

Popper, nascido em Viena, a seguir literalmente declamou sobre o ‘mistério dos povos de língua inglesa e o seu simultâneo empenho na liberdade e o seu sentido de dever’. E não se esqueceu de rematar: ‘Estou surpreendido que você não esteja a par de tudo isto pois o seu país tem a mais antiga e honrosa aliança com a Inglaterra, chamada Tratado de Windsor, assinado no século XIV’. (Mandou-me em seguida estudar em Inglaterra, o que eu felizmente cumpri).

Tudo isto eu recordei intensamente enquanto assistia intensamente ao filme sobre Churchill. Quando saí, vagueei errantemente à procura de organizar os meus sentimentos. Creio que são relativamente simples e muito pouco inovadores:

Existe uma civilização europeia e ocidental — o chamado ‘milagre europeu’, que distinguiu culturalmente e misteriosamente uma península europeia de uma massa continental euro-asiática.

Qual é a chave dessa misteriosa diferenciação?

Liberdade. Na Europa, nós não somos feitos para servir.

E, porque não somos feitos para servir, a civilização europeia cresceu com uma cultura comum — greco-cristã — mas sem um plano comum. A civilização europeia manteve uma matriz cultural comum sem um poder político central comum. É uma civilização de nações, em contraste com impérios não-europeus. Esta civilização estendeu-se além do atlântico e tem sido sustentada pela Aliança Atlântica, designadamente com a grande democracia americana.

Em suma: não venham agora vender-nos a troca da Aliança Atlântica por uma aliança euro-asiática, para não dizer euro-chinesa. E não venham vender-nos a ideia anti-europeia de que a defesa da Europa significa a hostilidade contra o sentimento nacional das orgulhosas nações europeias.

Aos amantes da liberdade, orgulhosamente patriotas, europeus e euro-atlânticos, Churchill disse em 1940: ‘Nunca nos renderemos!’