Em 1847 o Sr. Jonh Adams Dix, futuro Mayor de Nova York, desembarcou na ilha da Madeira. Foi recebido por um padeiro, de origem italiana, que tinha uma ‘Boarding House’ e aí ficou alojado. Aquilo a que no séc. XIX se chamava de ‘boardig house’, damos nós hoje o nome, em português, de Alojamento Local.

O sr. Dix aí passou nessa casa cerca de dois meses, o que na altura era considerado um aluguer de curta duração e escreveu, depois, um livro sobre o impacte que o turismo de saúde estava a ter na ilha.

Durante o século XIX, houve partes da cidade do Funchal que se transformaram em processos de gentrificação, ou, se quisermos dizer em português, de afidalgamento de algumas ruas e lugares outrora ocupados por uma população menos abastada.

Mas foi esta transformação de algumas zonas da cidade que contribuiu para a Madeira ser conhecida pela sua tradição turística e esta indústria ter ainda hoje um peso fundamental na economia insular.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Podemos pois concluir que nem o alojamento Local nem os fenómenos de gentrificação nasceram ontem.

Mas deixemos a Madeira e o Sr. Dix, que, se fosse hoje, teria chegado numa companhia aérea low cost para ficar aí uma semana, ou menos, e passemos aos projetos de alteração à Lei que foram debatidos na Assembleia da República e baixaram para discussão na especialidade.

O turismo e outros fatores conexos, têm tido um impacte significativo na transformação de algumas cidades e lugares e isso tem-se sentido sobretudo nos últimos 5, 10 anos. Portanto, uma transformação muito rápida, para a qual muitos lugares não estavam preparados.

Esta transformação tem tido aspetos positivos, mas também alguns menos bons. Por um lado, o crescimento de um certo segmento do turismo, que procura nas cidades e também em ambientes rurais disfrutar da autenticidade e do carácter dos lugares, tem encontrado nos centros históricos ou nas paisagens, ainda preservadas, do interior e das ilhas, fatores de atratividade que antes eram irrelevantes, quando ainda imperava apenas a procura por zonas de veraneio balnear.

Esta nova procura turística tem contribuído positivamente para a regeneração de algumas partes de certas cidades, para a requalificação de muito edificado antes em degradação e também, obviamente, para a economia do País.

Devido à procura por estes lugares tem surgido um crescimento na oferta hoteleira nos centros das cidades, sobretudo em Lisboa e Porto e, ao mesmo tempo, a oferta, muito acentuada, de alugueres de curta duração em partes de habitações, apartamentos ou casas, naquilo a que, em Portugal, chamamos de alojamento Local.

Este não é um fenómeno novo, mas o vigor e rapidez com que se tem observado, provocou transformações nos lugares, impacte no acesso à habitação e a perturbação em alguns condomínios, o que tem espoletado a reação de muitos cidadãos, com opiniões díspares sobre o assunto.

É preciso dizer também, que estas transformações nas cidades de maior dimensão e noutros lugares não se deve apenas à proliferação de unidades de alojamento local. Outros fatores contribuíram para que se estejam a observar processos de ‘gentrificação’ de alguns bairros tradicionais. Como em todos os processos de gentrificação de partes das cidades, as populações que aí vivem vêm sendo substituídas por uma população mais abastada, ou por turistas.

Colocam-se por isso vários problemas, aos quais todas as propostas que foram apresentadas na Assembleia tentam dar resposta de forma distinta e pontual, partilhando, ainda assim, algumas das mesmas soluções.

São vários os assuntos que estão envolvidos nesta problemática, nomeadamente a questão da gentrificação e da turistificação, que contribuem para a descaracterização dos lugares e, muitas vezes, para a destruição dos fatores que constituíram a sua atratividade. Por outro lado, há que ter em conta o contributo que este fenómeno tem para a economia em geral e para o rendimento complementar de muitas famílias.

Há também que, eventualmente, distinguir os pequenos proprietários de uma, duas ou três unidades de alojamento, de outros que se assemelham mais a unidades hoteleiras.

Também, tendo em conta que é positivo haver diversidade no tipo de funções que ocupam os lugares e que é interessante quando a mistura de vários tipos de habitantes acontece, é possível considerar que, a existência de mais ou menos unidades de alojamento Local, de mais ou menos unidades hoteleiras em determinados lugares, possa ter um controlo prévio das câmaras municipais, integrando este assunto nas suas políticas de cidade.

Para acontecer esta diversidade, é preciso também garantir que a população local não seja completamente substituída nesses processos de gentrificação e, por isso, é necessário implementar políticas públicas de fomento à habitação a custos acessíveis nessas zonas.

Por fim é necessário que as alterações à Lei propostas tenham em conta que ela se dirige não só às grandes cidades, mas também a outras menores, assim como às zonas rurais.

Posto isto, fez todo o sentido que, tendo em conta a problemática envolvida nestes projetos, e considerando que é um tema que deve ser debatido com calma e ponderação, todos os projetos baixaram sem votação para serem discutidos na especialidade e aí encontrar uma solução equilibrada.

Deputado do PS eleito pelo círculo da Madeira