Conforme já foi notado por vários observadores, o relatório “Uma década para Portugal” destaca-se principalmente pelo que não está lá. O estudo, encomendado pelo PS a 12 economistas mais ou menos próximos da área ideológica do partido, é relevante por procurar ser uma espécie de programa macroeconómico de base para o enquadramento das propostas políticas do partido. Neste contexto, trata-se de um documento muito importante (ainda que não necessariamente definitivo) para perceber como se vai posicionar o PS no contexto interno e europeu: apostando numa via syrizista de potencial ruptura institucional ou em constituir uma alternativa política dentro do quadro institucional estabelecido.

Por tudo o que não consta no documento, há agora razões mais sólidas para acreditar na segunda hipótese. Apesar de alguns dos membros do grupo de trabalho que elaborou o relatório terem, num passado não muito distante, assinado manifestos e artigos mais ou menos mirabolantes a defender irresponsabilidades várias no domínio da política orçamental e da gestão da dívida pública, o documento agora divulgado prima por uma saudável prudência nesse domínio.

Como bem sintetizou Pedro Romano: “desapareceram as referências à inevitabilidade da reestruturação da dívida (lembram-se?) e aos “saldos primários nunca vistos em democracia” (lembram-se?); o Tratado Orçamental já não é incompatível com crescimento económico (lembram-se?) (…) e – não há outra forma de o dizer – admite-se que reformas estruturais nos mercados de bens e produtos podem mesmo ter efeitos positivos no crescimento”.

Adicionalmente, não consta qualquer recomendação de aumento do salário mínimo, as previsões para o crescimento da despesa pública em termos reais são francamente contidas e a preocupação com o equilíbrio estrutural das finanças públicas está presente ao longo de todo o relatório. Em resumo: não há no documento sinais do perigoso entusiasmo syrizista manifestado por António Costa em Janeiro deste ano quando assegurava convictamente que a “Vitória do Syriza é um sinal de mudança que dá força para seguir a mesma linha”.

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A voz avisada de Augusto Santos Silva veio confirmar publicamente o recuo (ao mesmo tempo que lança um claro aviso interno à navegação para o interior do PS) assegurando que o relatório demonstra que “É possível haver alternativa clara sem entrar nas Varoufakisses”. Para evitar as “varoufakisses”, muito terá certamente contribuído a escolha de Mário Centeno para coordenador do grupo de trabalho, assim como a presença de Manuel Caldeira Cabral e mesmo de Elisa Ferreira e Paulo Trigo Pereira.

Nas linhas principais das políticas efectivamente propostas, o relatório aceita os compromissos decorrentes do Tratado Orçamental e não difere drasticamente das intenções anunciadas pelo Governo para o mesmo período. É certo que acelera a reposição gradual dos salários dos funcionários públicos e trava a descida acordada do IRC, mas ao mesmo tempo vai até mais além na redução da TSU e no plafonamento das pensões (futuras, claro, já que mexer nas presentes custa mais votos). Tudo considerado, a principal diferença a nível macroeconómico acaba por ser uma dose adicional de optimismo difícil de justificar nas previsões de crescimento económico. É caso para afirmar que o PS parece acreditar ainda mais do que o Governo nos efeitos virtuosos a médio prazo das reformas estruturais supostamente levadas a cabo durante os últimos anos.

A tragédia grega em curso terá ajudado a silenciar as “varoufakisses”, mas é ainda assim cedo para formar uma opinião definitiva. António Costa já veio avisar que o relatório enquadrará mas não determinará o programa do PS e não há razões para acreditar que os entusiasmos syrizistas tenham desaparecido por completo do partido. Em qualquer caso, pelo menos de momento o cenário de radicalização irresponsável do PS parece afastado. É de lamentar (embora não surpreenda) a confirmação de que nenhum dos partidos portugueses apresentará um programa liberal, mas é uma boa notícia que o PS tenha para já desistido de seguir a mesma linha do Syriza.

Professor do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa