A taxa de poupança das famílias portuguesas está em níveis historicamente baixos. Mas a importância que o tema ocupa no discurso sobre as políticas destinadas a corrigir os desequilíbrios económicos de Portugal é inversamente proporcional à gravidade do problema. Não há motivos para grande surpresa. Combater a debilidade da poupança exige visão de longo prazo. Não é uma batalha que produza resultados com visibilidade imediata ou dividendos políticos ao virar da esquina.

Os custos desta negligência são elevados e o país já teve de os suportar. A queda da poupança e o crescente endividamento que caracterizaram a evolução do país desde a segunda metade dos anos 1990 ajudaram a criar o ambiente certo para Portugal ficar a um pequeno passo da bancarrota em 2011. Anos sucessivos de política orçamental irresponsável fizeram o resto.

Há vinte anos, quando a convergência para a moeda única começou a prometer amanhãs que haviam de cantar, as famílias portuguesas ainda revelavam alguma cultura de poupança. A taxa que revela qual a fatia média do rendimento que colocavam de lado para fazer frente a despesas futuras andava em redor de 12%. Agora, representa apenas um terço daquele valor, o que tem consequências e nenhuma delas pode ser vista como fonte de alegria.

O país precisa de mais investimento, mas os recursos para o financiar têm de ser captados no exterior, o que faz subir a dependência em relação aos humores dos credores que dispõem dos meios de que Portugal necessita. Um choque externo, como aquele que nos anos da Grande Recessão colocou à vista as fragilidades da economia e das finanças públicas nacionais, pode tornar-se ainda mais ameaçador porque a almofada financeira para ajudar a amortecê-lo definhou. Resta, ainda, a questão da evolução demográfica, capaz de comprometer seriamente a capacidade da Segurança Social para responder aos compromissos com os futuros pensionistas e pressionada para cobrar cada vez mais e devolver cada vez menos.

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Pode haver muitas explicações para a situação. Uma taxa de inflação baixa não gera receios sobre os efeitos da erosão monetária e faz com que a decisão de poupar pareça ser algo dispensável. Taxas de juro reduzidas, ou mesmo negativas em termos reais, conduzem ao mesmo comportamento. E há economistas que se dedicam ao estudo destas questões que identificam uma relação entre défices orçamentais elevados e um aumento da taxa de poupança. Neste caso, as famílias antecipam, e bem, o aumento futuro da carga fiscal e preparam-se para o momento em que o Fisco irá bater à porta com o objectivo de extorquir mais algum dinheiro.

Tentar encontrar justificações para aquilo que as famílias, entre gastar ou amealhar, decidem fazer aos seus rendimentos é uma actividade cheia de mérito. Mais importante, ainda, seria poder-se vislumbrar sinais de alarme e, sobretudo, medidas concretas para estancar a inversão da queda da taxa de poupança. Os incentivos fiscais custam dinheiro. Obrigam os cofres públicos a abdicar de receitas a que tem direito. Mas são uma arma poderosa e eficaz, desde que sejam usados para alcançar objectivos de longo prazo e não fiquem sujeitos ao arbítrio das necessidades conjunturais.

Os incentivos que foram introduzidos para beneficiar os subscritores de planos poupança-reforma são um bom exemplo daquilo que não se deve fazer. Produziram os efeitos para os quais foram criados, mas foram extinguidos quando as aflições financeiras do Estado começaram a exigir cortes na despesa pública e aumentos na receita que produzissem efeitos imediatos. Quando lhes foi administrada a extrema unção, durante o período de desespero financeiro do Governo de José Sócrates, o argumento para sustentar a decisão não podia ter sido mais absurdo. Tratava-se de uma medida de “justiça social” porque os benefícios eram recolhidos pelos cidadãos de rendimentos médios e elevados, como se estas não fossem, em qualquer economia, as classes de rendimento que têm capacidade para poupar e que, por isso, devem ser atraídas a fazê-lo.

O caso dos incentivos fiscais aos PPR padeceu de outro problema. O Estado, ainda no tempo de Cavaco Silva como primeiro-ministro, decidiu associar os benefícios a um produto financeiro em vez de premiar toda a poupança de longo prazo. O quadro terá agradado, e de que maneira, ao astuto lobby das seguradoras, satisfeitas com a perspectiva de receber comissões quando aquilo que se preparavam para dar em troca acabou por se resumir, na maior parte das situações, a rendibilidades anémicas.

Um Estado atento aos problemas da economia, capaz de adoptar as políticas necessárias para superar os desequilíbrios, precisa de ter finanças sólidas e saudáveis. No caso do mergulho da taxa de poupança, o Governo não dispõe de uma coisa, nem de outra. Fala muito de consumo e pouco de poupança. E usa a folga orçamental proporcionada pelo crescimento para aplacar a contestação dos parceiros políticos e dos grupos de pressão que sabem como fazer ruído. É uma escolha. Sob o chapéu da habilidade, despreza a visão. E ameaça legar uma factura pesada sobre um país que, entre suspiros melancólicos e queixumes inconsequentes, sobrevive dependente das poupanças alheias.