Quando, no passado dia 22 de Setembro, perante uma plateia que enchia por completo o Teatro Nacional D. Maria II, Hans Rosling convidou os espectadores para uma viagem aos temas da população, economia e energia, soubemos todos que estávamos, na sua essência, perante um exercício de actualização da nossa visão do mundo. Um mundo em que muitas vezes as percepções e as ideias preconcebidas se substituem, de forma enganosa, à realidade dos dados e aos factos científicos.

Numa provocação bem-humorada, o Professor Rosling questionava se um economista poderia realmente prever em que mundo iremos viver em 2100? Já um demógrafo, em contrapartida, o conseguirá com grande grau de certeza. A mesma certeza que permitiu há cem anos estimar que seríamos hoje sete milhares de milhões de pessoas e projectar que em 2100 teremos no mundo 11 milhares de milhões de habitantes. E é perante estes números, que de tão esmagadores se podem tornar estranhos e longínquos, que entendemos melhor um dos grandes desafios de Europa e também da América do Norte.

Hoje a Europa (e temos que incluir a Turquia e a Rússia para chegar a um número redondo) tem um milhar de milhão de habitantes, a África outro milhar de milhão, a América do Norte e do Sul igualmente outro milhar de milhão e a Ásia 4 milhares de milhão. É o código PIN 1114. Mas é também um código com validade prestes a expirar. Até 2100 a África e a Ásia representarão 80 % da população do mundo e a Europa e a América do Norte representarão não mais do que 10% de toda a população mundial. O novo código PIN é assim, segundo Hans Rosling, o resultado de uma melhoria global das condições de vida, a começar pelos cuidados de saúde, acompanhada da certeza de que  o número de novos  bebés no mundo não vai aumentar, mas sim reduzir: de 2,5 para 2 bebés, em média por mulher.

Portugal tem também uma história muito interessante para contar neste domínio. Se recuarmos até 1930, o nosso país tinha uma esperança de vida à nascença de 36 anos. Não existe hoje nenhum país no mundo que tenha uma esperança de vida tão baixa como a nossa há 85 anos. Hoje a nossa esperança de vida é de 80 anos e a esta evolução notável juntamos outra verdadeira singularidade, nas palavras do professor Rosling, pois somos um dos melhores países no mundo a relacionar o nosso nível económico com a esperança de vida, o que também atesta da qualidade de saúde portugueses. O que Portugal não tem conseguido fazer – e devemos reconhecê-lo –  é deixar de ter uma tão baixa taxa de reposição de gerações. Para que cada mãe deixe uma futura mãe é necessário, no mínimo de 2,1 crianças, em média por mulher. Em Portugal esse valor é de 1,2 filhos por mulher.

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Apesar de nenhum país da Europa ter voltado a conseguir ultrapassar o tal limiar de 2,1 filhos por mulher, Portugal é hoje o país que apresenta o valor mais baixo no conjunto  da UE28. Demógrafos, sociólogos e outros especialistas sabem bem que o aumento dos níveis de fecundidade não depende de um único factor ou de um mais bem construído edifício legislativo. Contudo, a agenda política tem elegido o tema dos nascimentos como um dos mais determinantes e prioritários. Mas para aqui o papel das migrações também deve ser convocado. Os novos migrantes poderão ser um dos factores de dinamização demográfica e de crescimento da nossa economia – e não apenas da sustentabilidade da segurança social, como habitualmente dizemos.

Chegados aqui entendemos melhor o que quer dizer Hans Rosling quando afirma que os números não lhe interessam. Interessa-lhe, isso sim, o seu significado e a vida das pessoas que estes representam. Todas as sociedades precisam de pessoas. Sem elas não existem. Por outro lado, num mundo cada vez mais competitivo à escala global baseado numa economia sustentada no conhecimento, a qualificação é um imperativo.

Num momento político em que os números do desemprego e do emprego são utilizados como arma de arremesso eleitoral, existe uma alteração estrutural absolutamente decisiva para entendermos o que substantivamente está a acontecer com a qualificação dos portugueses e a sua relação com o emprego. Essa alteração estrutural aconteceu a partir de 2009 e tem-se acentuado nos últimos meses com a criação de empregos qualificados.

Nas últimas duas décadas a falta de qualificação da mão-de-obra funcionava – perversamente – quase como um “incentivo” ao emprego, gerando a economia sobretudo empregos com menos qualificação. Essa mesma conclusão é muito visível nas estatísticas que detalham o desemprego por nível de escolaridade. Hoje Portugal vive exactamente o início do ciclo contrário onde a qualificação e a especialização são as principais chaves para a empregabilidade e, acima de tudo, para o dinamismo económico do país. Por isso, apesar de ainda termos que resolver vários atrasos endémicos de Portugal, nos dias de hoje, afirmar que estudar não compensa nunca foi tão errado e perigoso.

Podemos fazer de um código PIN uma simples sequência de quatro algarismos. Ou fazer como Hans Rosling e procurar que os números nos ajudem a entender quem somos e para onde vamos.

Gestor
A conferência do Professor Hans Rosling pode ser visionada na íntegra aqui: