Há temas nos quais importa começar pelo óbvio: Marcelo Rebelo de Sousa é um fortíssimo candidato presidencial e o favorito destacado a ganhar as próximas eleições. Não só pelo elevadíssimo nível de reconhecimento popular que anos de prime time televisivo lhe proporcionaram (ainda que isso ajude muito) e pelos seus inegáveis dotes comunicacionais (ainda que isso também ajude bastante), mas também pelas condições políticas que conseguiu criar em torno da sua candidatura.

Ao longo dos últimos meses, Marcelo Rebelo de Sousa conduziu com brilhantismo uma estratégia no sentido de anular todas as possíveis candidaturas alternativas que se poderiam perspectivar no espaço à direita do PS. O anúncio público por parte de Rui Rio de que não avançaria para uma candidatura presidencial (depois de meses de avanços, recuos e muitas hesitações), marcou o culminar do sucesso dessa estratégia. Uma vez anulada a candidatura alternativa que se perspectivava como mais viável, o caminho pareceu ficar definitivamente aberto para Marcelo se assumir como candidato presidencial único no espaço político correspondente à coligação PSD-CDS.

Consciente de que esse espaço pode não ser suficiente para ganhar as presidenciais, o candidato Marcelo – em linha com o que o comentador Marcelo vinha aliás fazendo – tem optado por uma estratégia de posicionamento lógica: dar por adquirido o seu espaço considerado “natural” e aproximar-se o mais possível da esquerda para alargar a sua base eleitoral potencial. Assim se compreende, por exemplo, a aparente falta de desconforto de Marcelo com uma solução governativa que incorpore comunistas e bloquistas ou as suas declarações indicando aversão à convocação de eleições antecipadas.

A estratégia é lógica, mas tem riscos. Sendo certo que o raciocínio subjacente à desejabilidade de alargar a base eleitoral está correcto, a verdade é que essa não é a única variável relevante para ganhar as eleições. Em algumas circunstâncias, aliás, pode até nem ser a mais decisiva. Alargar o mais possível a base de potenciais eleitores é importante, mas é também decisivo conseguir um nível de mobilização dessa base eleitoral que se traduza no maior número de votos possível.

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Por outras palavras, alargar a base de potenciais eleitores não aumenta necessariamente as possibilidades de sucesso eleitoral se esse alargamento for conseguido à custa de uma redução dos índices de mobilização. Num cenário sem candidaturas alternativas no espaço sociológico do eleitorado PSD-CDS, a preocupação com a mobilização por parte do candidato pode ser menor. Mas não deve estar ausente, até porque, à esquerda, a candidatura de Maria de Belém tem algum potencial para disputar o eleitorado do centro.

Numa conjuntura política de elevada crispação, não é crível que haja muitos eleitores comunistas a votar no Professor Marcelo por este ser presença regular na Festa do Avante. Como também não será provável que a base eleitoral da coligação PSD-CDS se sinta tentada a votar em Edgar Silva (candidato apoiado pelo PCP), Marisa Matias (candidata apoiada pelo BE) ou Sampaio da Nóvoa (candidato apoiado pelo Livre).

A situação pode no entanto vir a ser diferente relativamente a Maria de Belém. Sem entrar nos desvarios de alguns lunáticos que a vêem como uma candidatura “fabricada” pela direita, a verdade é que, entre todas as candidaturas de esquerda, a de Maria de Belém é a única que pode ser apelativa ao centro. Por um lado, porque um bom resultado de Maria de Belém anularia os candidatos apoiados pelos partidos de extrema-esquerda. Por outro, porque uma eventual passagem de Belém à segunda volta obrigaria a uma maior definição por parte de Marcelo Rebelo de Sousa.

O dilema de Marcelo Rebelo de Sousa é assim o de saber até onde esticar a corda. A necessidade de alargar a base é evidente, mas os riscos de desmobilizar o seu eleitorado preferencial são igualmente bem reais. Vai ser uma equação difícil de resolver, até mesmo para o Professor Marcelo.

Professor do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa