Alguns dias passados sobre o encerramento do frenesim olímpico talvez já seja possível fazer um balanço mais frio e ponderado do Rio 2016. Pela minha parte, houve dois aspectos merecedores de realce: mais uma fraca participação portuguesa em termos de medalhas e o simbolismo que a contabilidade dessas mesmas medalhas parece continuar a assumir no imaginário nacionalista de muitos. São aspectos distintos, mas creio que há pontos de contacto entre eles.

Devo realçar que não considero a contabilidade das medalhas particularmente relevante – e certamente não é sinal de prosperidade ou desenvolvimento. Basta pensar que países como Cuba ou a Coreia do Norte – cujas populações são quotidianamente martirizadas pelo totalitarismo comunista – conquistaram respectivamente 11 e 7 medalhas, enquanto por exemplo a Áustria conquistou apenas, tal como Portugal, uma única medalha de bronze.

Mas a Áustria é um exemplo também de um país onde tanto a cobertura mediática como a exigência de resultados foram bem mais agressivas do que aconteceu em Portugal. Daí que seja algo paradoxal assistir entre nós a um novo episódio da recorrente novela de reclamação de mais apoios estatais por parte dos envolvidos.

Não está em causa o extraordinário esforço e sacrifício pessoal que muitos atletas colocam no seu trabalho, mas a verdade é que não obstante uma das maiores comitivas portuguesas de sempre nos Jogos Olímpicos e um investimento significativo para a escala e nível de riqueza do país, os resultados em termos de medalhas foram inequivocamente decepcionantes. Um bom (e simples) indicador objectivo disso mesmo é o fraquíssimo rácio português de medalhas por atleta participante.

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Uma outra forma – porventura mais intuitiva – de perceber o mesmo é comparar o número de medalhas obtidas por Portugal com as medalhas conseguidas pelos cinco países com participações mais próximas em termos de número de atletas. Se realizarmos esse exercício, constatamos também por esta via o fracasso olímpico português em termos de medalhas conquistadas: a Roménia obteve 5, a Grécia 6, o Quénia 13, a Venezuela 3 e a Croácia 10.

Como referi, creio que a contabilidade das medalhas vale muito pouco em termos de leituras políticas mais abrangentes, mas há algo de esquizofrénico nesta encenação que se repete de quatro em quatro anos em que a maioria dos portugueses considera ser de bom tom lamentar que a maioria/generalidade dos portugueses só goste de futebol. Mesmo que, efectivamente, a contabilidade das medalhas olímpicas passe em larga medida por desportos que interessam pouquíssimo à generalidade dos portugueses e dos quais quase ninguém quer saber durante os intervalos de quatro anos entre Jogos.

No imaginário colectivo de muitos, a contabilidade das medalhas (mesmo que relativas a desportos e modalidades pelos quais se nutre o mais completo desinteresse) parece assumir um simbolismo nacionalista difícil de explicar racionalmente. Como realçou Rui Ramos:

“Os Jogos Olímpicos foram uma das mais notórias frentes da Guerra Fria. As ditaduras comunistas faziam uma estranha questão de demonstrar superioridade desportiva. O que tinha sido imaginado como um convívio de cavalheiros amadores, tornou-se um confronto de profissionais financiados e, no caso da União Soviética ou da Alemanha de Leste, sistematicamente drogados pelo Estado. Mas o empenho nos resultados olímpicos não terminou com a Guerra Fria. Pelo contrário, parece mais febril do que nunca, tal como acontece com a organização espectacular dos jogos, uma das mais duradouras heranças da Alemanha nazi.”

Neste sentido, o relativo mau desempenho da China no Rio pode, paradoxalmente, ser visto como um sinal positivo sobre a evolução da sociedade chinesa. Ou talvez isto possa ser apenas uma forma diferente de incorrer no tal erro de extrair leituras políticas mais abrangentes da contabilidade das medalhas.

Em resumo: parece altamente duvidoso que haja algum benefício no frenesim nacionalista criado em torno da concorrência por medalhas olímpicas mas, para quem ache que vale a pena, então o esforço deveria ser bem feito e os recursos alocados de forma eficiente face aos objectivos pretendidos. Nesta linha, relativamente a Portugal, a escassez dos recursos disponíveis e exemplos de sucesso como o do Reino Unido sugerem a necessidade de reduzir a delegação, concentrar apoios nas modalidades e atletas com melhores perspectivas e estabelecer uma ligação mais forte entre resultados e apoios.

Professor do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa