Carlos Magno usou a majestática influência que o seu nome contém para decidir sozinho num tema da maior seriedade e gravidade. Infelizmente para ele e para nós, a inspiração do seu nome não tem correspondência na qualidade da sua actuação, que, longe de provir de um verdadeiro Carolus Magnus, parece própria de um autêntico Carolus Parvus.

Decidiu sozinho não decidir – e, curiosamente, decidiu mal, mesmo tratando-se de uma não-decisão relativa a uma questão em que os estatutos da Entidade Reguladora para a Comunicação Social, a que Magno preside (e onde impera), obrigam a decidir e a dar Parecer. Confusos? Eu também, mas julgo que o presidente da ERC ainda irá esclarecer.

E o tema é da maior seriedade e da maior importância porque, vindo-se a concretizar a aquisição da Media Capital por parte da MEO, como esta pretende, numa “tentativa de obter conteúdos exclusivos disponíveis apenas nas plataformas MEO, diminuindo a oferta para o público em geral“, isso resultará numa “situação de concorrência desleal na área dos conteúdos”, ao que acresce “a possibilidade de condicionamento da opinião pública e de limitação dos direitos dos cidadãos à informação, na medida em que uma só empresa passaria a deter, simultânea e cumulativamente, o serviço de programas generalista mais visto em Portugal, o segundo grupo de rádio mais ouvido em Portugal, a maior plataforma de telecomunicações portuguesa, a única infraestrutura de serviços TDT em Portugal, além de alcançar o estatuto de segundo maior anunciante no país e de deter o maior portal de Internet que cobre o mercado nacional”.

Apenas isto. E as citações entre aspas são de palavras da própria Entidade Reguladora.

Só que, voltando ao início, o Imperador, cumprindo uma formalidade, ouviu quem devia ouvir (porque mesmo os Imperadores têm regras a cumprir), mas desqualificou, desconsiderou e descartou as opiniões daqueles que ouviu – a Anacom e o seu Conselho de Administração, os presidentes de algumas das maiores empresas Portuguesas (como a NOS, a Vodafone e a Impresa), os seus próprios serviços técnicos e os seus dois colegas do Conselho Regulador. Todos — sim, todos! –, sem tibiezas ou hesitações, sem dúvidas ou sem incertezas lhe disseram para se opor, como é seu dever, a um negócio que coloca em risco a pluralidade de informação, o acesso dos cidadãos à mesma e, por causa disso, a nossa democracia.

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Mas o Imperador decidiu não confiar em nenhuma destas pessoas e instituições, que não considera credíveis. Decidiu, ao invés, confiar e acolher os pontos de vista do Sr. Drahi e de um outro senhor francês, cujo nome não fixei, que escreveu a Carlos Magno assegurando-lhe que aquele era um homem cumpridor da lei e um cidadão honrado. A que título e com que enquadramento formal teve lugar esta interessante troca de correspondência, confessada na Declaração de Voto do presidente da ERC, ninguém sabe. Mas, também aqui, pode ser que o próprio venha explicar — e, já agora, esclarecer por que razão colocou em causa e submeteu a julgamento a honorabilidade e a probidade do Sr. Drahi, quando ninguém o tinha feito.

Seja como for, Magno confiou em Drahi e no seu concidadão, ao passo que desconsiderou e desconfiou de Arons de Carvalho, de Luisa Roseira, de João António Cadete de Matos e dos presidentes das várias empresas portuguesas com quem falou.

Carlos Magno tem consciência do que decidiu e a favor de quem decidiu.

Carlos Magno sabe que decidiu autorizar um enorme risco para a sociedade portuguesa e para o pluralismo da informação.

Carlos Magno sabe que estava obrigado pelos estatutos da instituição a que preside a “velar pela não concentração da titularidade das entidades que prosseguem atividades de comunicação social com vista à salvaguarda do pluralismo e da diversidade” e sabe que violou este comando de forma crassa, frontal, ostensiva e inapelável.

Não, Carlos Magno não será recordado como o Carlos Magno da “boa escola”, nem como o conquistador corajoso ou o guerreiro bravo e temível, nem como o unificador e arquitecto do Império Carolíngio. Não, este Carlos Magno não terá lugar na História, ao contrário do “Pai da Europa” do século IX.

Mas será contada a sua história. E perante o absurdo da forma e das consequências desta decisão, não será necessária sequer a intervenção de autoridades, de tribunais ou do Ministério Público, pois bastará uma inocente criança para dizer que o Imperador vai nu.

Declaração de interesses: Sou administrador da Sonae, grupo que é um dos accionistas de referência da NOS, mas este texto apenas reflecte a minha opinião pessoal.

Professor Universitário