É frequente ouvirmos dizer que a melhor forma de se dar valor a um bem é tê-lo perdido depois de se ter beneficiado dele durante muito tempo. Pude experimentar directamente a veracidade deste ditado popular, pois, durante 28 anos, tive a sorte de conviver intensamente com o meu irmão António, que viria a morrer em Camarate, em 1980, juntamente com o então Primeiro-Ministro, de que era o chefe de gabinete. É a ele que recordo, ao olhar o Dia dos Irmãos que se aproxima, a 31 de Maio.

Durante esses 28 anos não terei apreciado devidamente a sorte que tive de conviver com uma pessoa que, para além de constituir um exemplo notável de inteligência e de aplicação dos valores cristãos nas suas relações pessoais, se interessou sempre pelas actividades que eu ia desenvolvendo, e procurou sugerir os caminhos que mais me poderiam beneficiar. Este interesse intenso pela minha vida, que deve ser sempre a atitude de um irmão mais velho, faz-me recordar um infindável conjunto de circunstâncias e eventos que partilhámos em conjunto.

O valor desta partilha de eventos não se limita a recordações estimulantes e divertidas que guardámos para sempre. Essa partilha tem também outro aspecto, certamente mais importante, que consiste nas conclusões e lições que em conjunto retirámos desses eventos e que guardo até hoje como referências. A título de exemplo, gostaria de indicar apenas três.

Lembro-me de um dia, quando eu tinha cerca de 5 anos, ter ido com o meu irmão ao parque infantil de Monsanto, onde observei pela primeira vez o interesse com que ele seguia a forma bem sucedida com que eu brincava nos baloiços, elogiando-me por esses “feitos”. Tive, então, uma das primeiras sensações de uma tarefa bem cumprida e apreciada.

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Mais tarde, quando tinha já 8 anos, a forma como festejou comigo, no chão, um golo do Sporting. Foi a transmissão clara de como a vida faz todo o sentido quando podemos partilhar momentos importantes e felizes com outros que nos são próximos.

E, quando já tinha 22 anos, um amigo comum disse-me que o António me elogiava, considerando que a minha actividade académica era exercida com eficiência e responsabilidade. Não mais me esqueci desse comentário, pois tive, então, a noção de que os sinais que mais confiança e autoestima nos proporcionam são os dados por pessoas com quem convivemos frequentemente, sobretudo os familiares. Um irmão que desempenha bem a sua função é exactamente isso que consegue fazer, sobretudo com os seus irmãos mais jovens. Exemplos como estes permitem-me afirmar que a primeira função de um irmão consiste no contributo que nos dá para a nossa educação e formação intelectual.

Mas a companhia de um irmão pode também desempenhar uma segunda função, que tem a ver com o nosso desempenho futuro. Com efeito, a companhia de um irmão pode também influir, de forma importante, no modo como desenvolvemos a nossa vida e desempenhamos as nossas actividades.

Quando o meu irmão nos deixou em 1980 tinha já assegurado esse contributo para a minha vida futura, uma vez que, através das diversas conversas que tivera comigo, tinha tido oportunidade de me descrever os valores morais que devemos prosseguir, bem como os aspectos da vida pelos quais devemos lutar. Quando temos a sorte de ter um irmão com boas qualidades humanas, todos nós nos lembramos de conceitos ou de atitudes que nos transmitiu e que servem como referências importantes na forma como lidamos com as restantes pessoas e nos objectivos que procuramos atingir. Também a título de exemplo, gostaria de referir três desses momentos com o meu irmão António.

Uma vez encontrei o meu irmão com uma familiar nossa, já muito idosa, num espectáculo musical. Quando cheguei a casa, perguntei-lhe qual a razão desse facto. A sua resposta foi simples, ao dizer que, em sua opinião, a razão por que pessoas muito idosas e, muitas vezes, debilitadas permanecem neste mundo, tem também a ver com a oportunidade que Deus proporciona a todos os respectivos entes mais próximos de serem, ou não, simpáticos com elas e de ajustarem a sua vida no sentido de as fazer mais felizes.

Numa outra ocasião, enquanto eu era ainda estudante e começava a pensar no tipo de trabalho que poderia ter no futuro, ele disse-me que na vida o essencial não é necessariamente sermos o melhor dentro de uma actividade, mas sim trabalharmos e estudarmos o suficiente para que, dentro da nossa profissão, possamos pertencer ao grupo dos melhores. Isso implica obrigatoriamente trabalho e esforço.

E, num terceiro momento, quando lhe perguntei porque é que pensava dedicar-se à política, ele respondeu que é muito mais importante trabalharmos para o desenvolvimento do País e para o bem-estar e valorização das pessoas do que propriamente conseguir ter muito dinheiro no Banco.

Em várias ocasiões da minha vida adulta, quando tive de tomar decisões que afectavam a minha vida e a dos outros, recordei-me de valores como estes, que me foram transmitidos pelo meu irmão. A companhia de um irmão pode, assim, contribuir e ter uma influência decisiva nas nossas vidas, tanto em termos de formação, como no tocante aos valores que implementamos e defendemos ao longo dos anos.

Por isso, sejamos novos ou adultos, devemos estar atentos, pois muitas vezes o melhor exemplo e a melhor inspiração está bem perto de nós: nos nossos irmãos.

Dia 31 de Maio é Dia dos Irmãos