Não é apenas aos primeiros-ministros que as férias relembram as vantagens da escola pública. Existe um interesse público natural em saber o que fazer a crianças que não estão a ser satisfatórias; e aos seus primos mais velhos, os adultos insatisfatórios. Como porém tornar satisfatória uma criança? É verdade que não se podem subestimar os efeitos característicos das ocorrências educativas; e portanto não se pode excluir a ideia de que a educação seja um processo elaborado de produzir a imobilidade. Mas parece exagerado e cínico imaginar que todos os meios para produzir a imobilidade se equivalem: e que adormecer terceiros ao som de um grande escritor, ou de uma demonstração de álgebra, seja o mesmo que fazê-lo por processos químicos, ou com o auxílio de escritores menores.

Importa assim considerar os méritos relativos, ou as vantagens, dos diversos cursos de acção educativa. É a este problema que os especialistas chamam ‘métodos e conteúdos’. Há na realidade muitas maneiras infalíveis de imobilizar crianças; mas parece também haver modos adequados de o fazer; e modos suspeitos; e parece haver uma relação entre os meios que se empregam e o tipo de satisfação que se obtém, entre aquilo que se ensina e aquilo que acontece.

No entanto nas sociedades mais ricas e mais livres não existe um consenso público sobre as coisas que se devem ensinar a crianças, ou aliás a ninguém. Acredita-se apenas que qualquer conteúdo ou qualquer método pode em princípio ser satisfatório, desde que os interessados concordem; e que nenhum pode ser satisfatório, se não concordarem. No mundo da educação as pessoas que acham que devem ser ensinadas coisas que permitem o êxito numa profissão coexistem com as pessoas que acham que devem ser ensinadas as coisas que lhes foram ensinadas a si; e ainda com quem acha que devem ser ensinadas as coisas que estão nos programas; ou as que são apreciadas na Estónia, ou na Estrela; e com quem é a favor de métodos e conteúdos que fortaleçam o espírito cívico; e com quem não acha nada de especial.

Nas sociedades livres e ricas como Portugal um mistério da educação parece ser o de se acreditar que a educação serve para tornar as crianças satisfatórias, mas ao mesmo tempo não existir nenhum consenso sobre aquilo que é satisfatório; ou sobre o que é uma pessoa satisfatória. Que haja educação pública parece então inexplicável, visto que não parece haver qualquer convicção comum sobre educação. Trata-se no entanto de um mistério aparente. Existe de facto nessas sociedades uma doutrina consensual sobre educação, manifestada entre dentes, ou durante as férias: é a doutrina de que a educação serve para tornar crianças satisfatórias no sentido normal do termo; a de que as escolas são um meio de elas ficarem quietas e desaparecidas até que deixem de ter férias.

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