Três ou quatro vezes por ano o Ministério da Educação organiza festivais que permitem ao público (e ao Público) supor que a sua existência faz parte da ordem natural das coisas, como a chuva e os números primos. Os mais animados são os exames nacionais, a colocação de professores e o acesso à universidade. A relação entre estas festas e a educação permanece misteriosa. Ninguém concluiria da necessidade da agro-pecuária simplesmente porque uma vez por ano se cantassem as janeiras ou matasse um porco.

Como todos os mistérios, o da educação sugere que tudo neste mundo está ligado e é indispensável; e que da menor janeira depende a sorte da humanidade. Existem muitos cientistas e funcionários do mistério que consideram que a supressão de qualquer festividade seria tão grave como o desaparecimento de um costume milenar, por exemplo o genocídio ou o folar da Páscoa. Para clarificar o mistério da educação é preciso começar por tentar separar as coisas que nos garantem que estão ligadas, e depois perceber as que podem ser eliminadas sem inconveniente. A reforma da educação consiste na eliminação gradual do mistério da educação.

Uma das ligações mais perniciosas é a ligação entre ensino secundário e ensino superior, precisamente celebrada nas festas do acesso à universidade. Começa a ser insinuada três anos antes, quando é pedido a pessoas de quinze anos que imaginem como vai ser o resto da sua vida; e que suprimam dos seus estudos aquilo que amam menos. Se porventura não se regista aversão às ciências biológicas, é declarado o interesse de uma carreira médica. O talento reiterado para a medicina deve-se ao facto de o Estado garantir sustento a quem como único mérito mostrou ser capaz de ter boas notas a matemática quando não tinha a menor ideia daquilo que estava a fazer. Trata-se de um caso de discriminação que nunca vi denunciar por ofensa ao princípio constitucional da igualdade.

A escolha infantil torna a vida mais em conta para contribuintes, professores, universidades e alunos: diminui os custos e não aumenta o esforço. Infelizmente, escolhas sem razões não são bem escolhas. Esta limita-se a recompensar espasmos de terror e piedade, e a encorajar uma visão grosseira e primitiva daquilo que a vida de uma pessoa pode ser: um emprego.

Imagine-se a seguinte possibilidade: deixar as pessoas concluir o ensino secundário. Um pouco antes, deixá-las candidatar-se a qualquer curso que queiram, independentemente do seu currículo e das suas notas. E depois deixar as universidades escolher os seus alunos, pelo método que melhor entenderem, convenientemente anunciado. Para concluir, deixar os alunos, nessa altura já com dezoito anos, escolher qual das universidades em que foram aceites vão frequentar. O fim do feriado anual do acesso à universidade contribuiria para diminuir o mistério da educação.

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