Funcionários públicos e pensionistas, com especial relevo para os que recebem mais de quatro mil euros de reforma, são os grandes ganhadores do Orçamento do Estado para 2017. Uma política que já vinha de 2015, com Pedro Passos Coelho, e que António Costa reforçou este ano e prossegue em 2017. O apoio eleitoral e no espaço público está garantido. Todos aqueles que garantem vitórias eleitorais ou têm ferramentas e meios para fazer barulho aumentaram a sua fatia no bolo do dinheiro dos contribuintes.

Estamos perante um retrocesso naquilo que deveria ser a política pública no Estado, por causa um problema puro de gestão das clientelas eleitorais. Um problema que será até dificilmente resolvido quando novas eleições garantirem uma maioria estável a um dos partidos que governam o país desde o 25 de Abril de 1974. O PS já conseguiu reduzir a margem de manobra do PCP e do Bloco de Esquerda – o que permite que o Orçamento de 2017 seja melhor do que o de 2016. Mas terá de manter os bolsos cheios dos que sempre garantiram as vitórias eleitorais, se quer estar preparado para ganhar com maioria absoluta ou pelo menos obter, com o Bloco, mandatos para governarem o país apenas a dois, sem o PCP.

O que se devia fazer na política salarial da função pública e nas pensões está por de mais documentado e todos sabem que o caminho que está a ser seguido é um beco sem saída. Só não sabemos quando é que bateremos contra o muro do beco. Para o bem do País esperamos que a situação política volte a ser mais estável antes de novo e violento choque com a realidade. Para se fazer pelo menos parte do que é preciso.

Em matéria de política remuneratória da administração pública, a governação devia assumir que os cortes salariais da era da troika eram definitivos. Devia ter começado por eliminar a sobretaxa – aplicada à maioria dos portugueses – e iniciar uma reforma salarial na administração pública.

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Está mais do que documentado que há um problema de salários demasiado baixos nos quadros superiores da administração pública e demasiado altos nos funcionários não qualificados, quando se compara com o que são as práticas do sector privado que se aproximam mais das regras de mercado. Há ainda um problema mais grave e difícil de resolver que é o de excesso de pessoal não qualificado.

Mas como se sabe não foram essas as prioridades e começaram logo com Pedro Passos Coelho que, em vez de começar a baixa a sobretaxa de IRS, começou por repor os cortes salariais na função pública logo em 2015. Também o ex-primeiro-ministro sabe que só se ganham eleições conquistando os bolsos dos funcionários públicos. A devolução da sobretaxa daria menos dinheiro nos bolsos de mais pessoas – era mais justo mas menos eficaz eleitoralmente.

As mesmas contas eleitoralistas fez António Costa, ainda em campanha eleitoral, quando prometeu anular os cortes de forma mais rápida do que o PSD. E quando quis ser primeiro-ministro com o apoio do PCP e do Bloco acabou por anular todos os cortes no prazo de um ano, em 2016, como se sabe.

Os funcionários públicos recuperaram assim o seu poder de compra da era anterior à troika mas apenas parcialmente. A sobretaxa de IRS é o preço, parcial, que todos pagamos por essa recuperação salarial dos funcionários públicos. Fazer as contas para o sector privado é mais difícil mas todos os que mantiveram o seu salário só em finais de 2017 terão garantias de pagar menos IRS, mas não menos impostos.

A escolha, de dar mais dinheiro à função pública porque tem grande força eleitoral, acaba por determinar o adiamento da reforma que se deveria fazer. Dificilmente haverá dinheiro para descongelar carreiras e pagar mais, não apenas a quem é melhor na função que desempenha, mas também aos quadros mais qualificados.

Ficamos no pior dos mundos. Tomamos agora decisões que sabemos que são financeiramente insustentáveis e inviabilizamos mudanças que poderiam qualificar profissionalmente e salarialmente a administração pública.

Na segurança social estamos a assistir basicamente ao mesmo problema mas aqui por causa do peso que os pensionistas com reformas mais elevadas têm no espaço público. A eliminação da Contribuição Extraordinária de Solidariedade (CES) que incide sobre pensões de valor superior a 4.600 euros, ao mesmo tempo que não se actualizam as pensões mínimas, tem o valor simbólico de revelar o peso eleitoral dos pensionistas “milionários”.

Independentemente do problema dos direitos, que é preciso considerar, é claro que o actual regime de pensões estrangula a economia e é insustentável. A “condição de recursos”, expressão usada para dizer que o Estado só deve pagar a quem precisa, embora seja uma medida justa que já devia estar em vigor há muito tempo, não resolve esse problema.

A política mais próxima do ideal passava por reduzir essas pensões mais altas e, ao mesmo tempo, ir reduzindo as pensões futuras de forma a aliviar o peso das contribuições nos salários. Quer se queira quer não, isso é custo do trabalho. Resolvia-se o problema da segurança social pública que a maioria dos portugueses deseja ter e reduziam-se os custos do trabalho, elemento de promoção do emprego. Aquilo que estamos a escolher, sem nos darmos conta, é ter os avós a sustentar os netos porque estes não têm emprego ou ganham muito pouco.

O peso eleitoral da função pública e a elevada voz dos pensionistas com reformas mais altas são dos mais importantes impedimentos à mudança e modernização do Estado, à reforma da segurança social e ao crescimento da economia e do emprego. Como se sai daqui? A intervenção da troika, sinónimo de falta de dinheiro, não foi a solução por que se esperava. Estabilidade política, com maiorias parlamentares claras de um só partido, também não resolveu o problema.

Podemos estar condenados à degradação dos serviços públicos e à redução do Estado Social por estarmos, por omissão, a escolher esse caminho que a maioria dos portugueses não quer.

O resultado será um país ainda mais desigual. Quem tem dinheiro compra os serviços públicos, sejam eles a saúde, a educação e a segurança social, sejam eles outros que passam por conhecimentos ou por práticas menos claras. Os portugueses sem voz no espaço público aí ficarão, com menos Estado e pior Estado.