Daniel Lacalle, economista espanhol, disse, no seu livro intitulado “Nós, os Mercados”, que não existe regulamentação suficiente que consiga suprimir a falta de literacia financeira das pessoas. A expressão retrata – ressalvando-se com especial acutilância a última parte – uma das principais, porém, frequentemente secundarizadas, preocupações que assolam o cidadão comum em matéria de “dinheiro”.

O obscurantismo patenteado, em parte, pela comunicação social, assim como por (alguns) comportamentos censuráveis por parte dos protagonistas do “burgo financeiro”, onde se inclui a própria banca, com particular enfoque para as recentes quedas dos maiores bancos portugueses e seus “alcaides”, apresenta-se como barreira que, aos olhos dos cidadãos, se revela intransponível e, como tal, abstêm-se de conhecer sequer os meandros que o circunscrevem. No meu entender, trata-se de uma questão dirimida usualmente em extremos: quando existe um investimento efetuado (com o devido risco associado) e daí se retiram avultados lucros, o cerne aponta-se para, em muitos casos, apenas aquilo que se ganhou, sem se ter conhecimento do risco a que se encontrava adstrito ou da ousadia em agir, assim como o trabalho de avaliação envolvido; no extremo oposto, quando tudo se perde, mesmo consciente do risco associado, culpa-se o sistema financeiro “especulativo” que despoletou a ruína de uma pessoa, levando-o a perder as poupanças de uma vida e, por isso, a comoção leva à culpabilização inequívoca do malogrado sistema financeiro e sua índole especulativa.

Há que entender o mercado financeiro, na ótica de investimento, como um jogo (na banca e bolsa de valores): umas vezes ganhamos, outras perdemos. O Estado, neste domínio, não deve intervir como jogador, mas antes como juiz, certificando-se de que o jogo decorre sem que as regras sejam quebradas e, no caso de serem infringidas, intervir, fazendo uso da condição de “árbitro” do processo, de modo a que contratos bilaterais voluntariamente celebrados sob a alçada da boa fé sejam efetivamente cumpridos. Assim, se, por um lado, é verosímil o entendimento generalizado nos termos do qual os bancos, atualmente, não ostentam a solidez e confiança que apresentavam no passado, fruto de práticas erróneas que ditaram, para muitos, o seu abismo, por outro, não deixa de ser uma realidade constatável que nos últimos anos, quando o setor bancário atingiu o apogeu da regulamentação em detrimento da crise de 2008, registou-se o maior número de falências bancárias e consequentes prejuízos (onde se inclui o Banco Espírito Santo).

Como referi, as práticas fraudulentas – que merecem repúdio e responsabilização criminal –, assim como o branqueamento da verdadeira saúde financeira dos bancos constituíram fatores capitais para o desfecho que se verificou. Porém, prevalece, ainda assim, o conluio entre o poder político e a banca (do qual, curiosamente, Pedro Passos Coelho se eximiu de comparticipar) como catalisador da sua descredibilização.

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No dia 14 de Outubro realizou-se, em Arouca, uma conferência com a temática do dinheiro e sistema financeiro organizada pelo movimento “Cultura e Democracia”. Ricardo Paes Mamede, um dos conferencistas convidados, referiu, no decurso da sua intervenção, o agudizado poder discricionário dos bancos, salientando, inclusive, a sua capacidade de “criar dinheiro do nada”. Com laivos de asteísmo, em jeito de comentário, estas referências com certeza encaixariam na perfeita descrição da figura do Banco Central Europeu, algo omitido pelo conferencista, notório economista afeto a uma ideologia política algo enviesada à esquerda. O que se compreenderá, dado que o nosso país apresenta a 3ª maior dívida pública da Zona Euro (cerca de 130% do PIB), resultado das políticas do atual e de anteriores governos, sem ou com o apoio parlamentar do BE e do PCP, dado que o financiamento depende (e muito) das compras de ativos (títulos da dívida pública) do BCE com o intuito desmedido de alcançar resultados que contrastam com o deterioramento dos serviços públicos tutelados pelo Estado.

Não deixa, portanto, de ser irónico que o poder discricionário dos bancos seja – intencionalmente – mencionado apenas de um “lado da barricada”.

E, no contexto, surgiu da parte do público uma questão confinante à existência ou não de um banco público. Não querendo expressar uma posição firme nesta questão, ressalva-se que o que fora exposto acima se consuma em fortes vicissitudes dissonantes com a dialética a favor do banco público.

Acrescem, ainda, os constantes e volumosos prejuízos que a Caixa Geral de Depósitos vem apresentando e os 5 mil milhões de euros dos contribuintes injetados para garantir a sua sobrevivência.

Há, ainda, um longo caminho por percorrer no que toca à restauração da confiança na banca. A própria, nomeadamente através de novos e rigorosos procedimentos como departamentos de compliance, due dilligence e gestão de risco, seja por intermédio da aplicação de regras europeias e nacionais, seja por iniciativa própria, incitam mecanismos de defesa de modo a garantirem a sua permanência no “jogo” e, deste modo, obter rentabilidade, garantindo para si e para os seus clientes garantias de fiabilidade. Fenómenos como a Bitcoin atemorizam e assim o exigem. No entanto, tal como mencionei no início, não há regulamentação suficiente para colmatar a iliteracia financeira.

Jurista e Pós Graduado em Finanças e Fiscalidade