1. Chama-se Fátima, Sou Peregrino (Paulinas), escreve-o António Rego, foi lançado há dias na FNAC e é também um convite que o seu autor nos endereça. À viagem espiritual, silenciosa e tão intima do peregrino. Ao sentido da viagem.

Mas antes disso…

2. Não conheço silêncio como o de Fátima quando se reza. Como um véu espesso e quase misterioso, o silêncio que cai sobre o recinto do Santuário não tem igual.

Também não me lembro de atmosfera mais intimamente recolhida como a que ali envolve as vigílias nocturnas. Quase se adivinha esse diálogo sussurado, secreto, singular, de cada peregrino com o sagrado. Diálogo onde se entrecruzam contraditórios passos – emoção, esperança, desesperança, fadiga, dor, temor, fé, alegria. Passos que são como pedras do caminho que conduz os peregrinos e é sobre elas, que imóveis e mudos, rezam na noite. A intimidade do diálogo com Deus tudo comporta e em Fátima cabe lá inteira a condição humana. Grandezas e misérias nesse mar de velas acesas por onde uma imagem branca passa devagar na mancha escura da multidão.

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Há um nó na garganta e quanto a mim não preciso que Nossa Senhora ali desça sobre uma azinheira para perceber que aquilo a que assisto é um milagre. Lá estar, fará quase obrigatoriamente de quem lá quis ir, um intérprete activo da mensagem de Fátima e do que ela pede.

Vi Fátima em longínquas paragens, nas Áfricas, no Brasil, em Singapura, na Oceania. E na remota Indonésia onde, na minúscula Ilha das Flores, numa sexta-feira santa, de vela acesa na mão, o povo quis associar Nossa Senhora à Paixão de seu filho e Nossa Senhora para eles era a de Fátima. Celebraram-na, cantando o Avé. Em todos esses lugares foi como se estivesse na Cova da Iria, em todos se rezava, mas às vezes com lágrimas.

3. Foi tudo isto que encontrei no livro que hoje recomendo. Escrito com a claridade das coisas simples, a poesia das coisas belas e a importância das coisas essenciais. Vão seguramente surgir mil livros sobre Fátima, cem anos é muito tempo e muita história mas eu atrevo-me a supor que, como este Fátima-Sou Peregrino, talvez nenhum.

Repartindo-se por pequenos capítulos, sub-divididos em breves apontamentos, orações, memórias e um pouco de História, estamos perante um livro de reflexão, descoberta e reencontro. Reflexão sobre a importância, a actualidade, a profundidade da mensagem de Fátima, mas também Fátima como lugar e fonte de maior enriquecimento interior do percurso cristão. É de resto o próprio autor quem nos lembra que, “com esta mensagem simples, respeitosamente escutada pela Igreja como povo e pelos Pastores que a quiseram estudar, foi crescendo o movimento, a adesão a Fátima; e no peregrinar que se lhe seguiu, se constituiu como que uma nova escola de fé por onde passa o essencial da espiritualidade em Portugal”.

Depois, há a descoberta e nela cabem muitas coisas: lugares, histórias, episódios, datas, investigações, documentos, interpretações, memórias, que não sabíamos ou sabíamos pobremente e que o Padre Rego agora conta, valorizando esse “espólio” pelo modo como o enquadra espiritual, cultural e historicamente.

E finalmente, o reencontro: com os mundos que constituem o universo de Fátima mas que agora revemos inscritos numa geografia que é mais rica e bem maior que a Capelinha das Aparições vista de relance ou o recinto do Santuário, com ou sem gente, com ou sem velas. Uma geografia da fé que abrange e simultaneamente acolhe os lugares da solitária oração, do peregrinar individual ou colectivo, da anónima Via Sacra, dos túmulos de Lúcia, Francisco e Jacinta ou das suas moradas terrenas. Geografia onde se ergue este altar do mundo, visitado por três Papas (um deles trisou a visita), espaço místico de ressonância global. Mas que é também palco de relevantes acontecimentos internacionais, religiosos, culturais, intelectuais e sede (procurada) de investigação, estudo, publicação. Ali, conforme lembra o autor, “continuamente acontece Igreja na sua diversidade de carisma e actividades”

Livro que me foi visita guiada. Descoberta e surpresa. Roteiro religioso, mapa espiritual.

4. O sacerdote António Rego levou uma vida a associar evangelização e comunicação social fazendo dessa aliança um serviço permanente. Meio século de presença e testemunho, na rádio, imprensa, televisão enquanto homem de Deus servindo a Igreja nos palcos difíceis da “media”, onde foi o mais sério dos profissionais.

Foi agora peregrino e cicerone. E sem nunca abrandar na incansável procura do significado mais profundo das coisas, soube convocar os seus leitores para esse mistério sem nome que é Fátima e para essa história sem paralelo na nossa História que são as Aparições de Maria a três crianças.

Daqui lhe agradeço.