No jornais sérios há: pessoas que escrevem e pessoas que lhes escrevem. A secção mais interessante é a secção das cartas das pessoas que lhes escrevem. Existem, nos dois principais jornais sérios (impressos), umas quinze pessoas que constantemente lhes escrevem. Escrevem-lhes de sítios remotos; as cartas são sempre publicadas, e contribuem sem dúvida para aumentar ainda mais as suas vendas e a sua influência. As opiniões expressas por essas quinze pessoas são: em matérias de corrupção, contra; em matérias de amor de mãe, a favor; em matérias de direito, todos culpados.

As restantes páginas dos jornais, que naturalmente têm de existir para efeitos de contraste com as cartas dos seus leitores, são preenchidas pelas opiniões dos muitos milhares de pessoas que lá escrevem. Tais opiniões são: em matérias de corrupção, completamente contra; em matérias de amor de mãe, sempre a favor; nas outras matérias, todos culpados.

Porque se trata de jornais sérios, não é concebível que as pessoas que lá escrevem conheçam os autores das cartas que recebem, ou escrevam cartas a si próprios. Quem terá sido então o primeiro a ter tido todas as ideias que são comuns a quem escreve nos jornais e a quem escreve aos jornais? Só é possível explicar a coincidência de duas maneiras, não necessariamente incompatíveis mas ambas improváveis: ou as pessoas que escrevem nos jornais sabem aquilo que quem escreve aos jornais pensa; ou as pessoas que escrevem aos jornais lêem aquilo que quem escreve nos jornais escreve.

A favor da primeira explicação está o facto de que quem escreve nos jornais estudou longos anos e nas melhores escolas. O estudo deu-lhe conhecimento da espécie, e ainda astúcia e precisão; é-lhe por isso fácil adivinhar os pensamentos sobre a corrupção, o amor de mãe e a natureza humana que as outras pessoas sustentam, mesmo em áreas remotas. Os seus conhecimentos e intuições permitem-lhe calcular sem esforço aquilo que se pensou nesses sítios desde tempos imemoriais.

Mas por outro lado não é de excluir a hipótese de ter sido a leitura dos dois jornais sérios a anunciar a áreas remotas do país uma série de verdades que a seguir terão sido ali adoptadas com entusiasmo; tais verdades tornam-se depois o assunto das cartas que, daquelas áreas, se escrevem aos jornais sérios. Terá sido nesse caso através da leitura dos jornais sérios que nessas partes se acabou por chegar à conclusão de que a corrupção é o principal problema, o amor de mãe a principal vantagem e que, no demais, somos todos culpados.

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