O que era impensável para muitos na esfera mediática e académica concretizou-se formalmente ontem: Donald Trump é oficialmente o 45º Presidente dos Estados Unidos da América. Sobre a campanha e possibilidades de Trump ser eleito, escrevi antes das eleições (O caminho para a vitória de Trump) que é essencial compreender que a sua dinâmica desde o início das primárias republicanas assentou em alimentar-se do ódio contra ele dirigido. Creio que isso continua em boa parte a ser verdade.

O enviesamento, arrogância e sobranceria com que a sua candidatura e os seus apoiantes foram analisados, aliados muitas vezes a um profundo desconhecimento sobre a realidade política dos EUA, dificultam e muito a compreensão do fenómeno Trump. Em termos de consequências e perspectivas políticas, mantenho para já no essencial a opinião que exprimi logo a seguir às eleições (Trump: o bom, o mau e o incerto), porventura com alguma preocupação acrescida pelo não abrandamento da retórica proteccionista, mas neste texto gostaria de abordar outro aspecto: a relação de Trump com as sondagens.

No seu estilo característico, o novo POTUS já veio desvalorizar as sondagens que apontam para níveis relativamente baixos de aprovação recordando as sondagens pré-eleitorais.

A verdade é que Trump neste caso não tem, no essencial, razão: olhando por exemplo para a média de sondagens nacionais compilada pelo RealClearPolitics, a vantagem para Hillary no voto popular nacional segundo a média das últimas sondagens era de 3,2%, apenas 1,1 pontos percentuais acima da margem que efectivamente se verificou (2,1%) e confortavelmente dentro da margem de erro. Mas não é menos verdade que Trump explora habilmente, como é seu hábito, em seu benefício uma percepção mediática que foi real: foram muito poucos os comentadores e analistas que levaram a sério a sua candidatura e possibilidades de vitória.

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Vale a pena a este propósito ler e reflectir sobre um artigo recente de Nate Silver e também sobre este outro de Sean Trende. Mais do que as sondagens, o problema foram as análises incorrectas e abusivas por parte de jornalistas, comentadores e analistas dessas mesmas sondagens. Os dados das sondagens, conjuntamente com as regras do Colégio Eleitoral, simplesmente não permitiam sustentar a opinião generalizada de que Hillary teria a eleição ganha.

A vitória esmagadora e certa de Hillary só existia na cabeça de jornalistas e analistas que coabitam entre si e reforçam mutuamente os enviesamentos pré-existentes. Os mais experimentados e sagazes, como Pedro Magalhães, ainda emendaram a mão na véspera das eleições (alertando para que tudo estava em aberto, depois de antes ter previsto uma vitória tranquila para Hillary). Mas a larga maioria continuou indiferente aos dados e descrente até à contagem final dos votos.

As sondagens enfrentam hoje vários desafios reais: mudanças no eleitorado e alterações drásticas de algumas clivagens tradicionais, dificuldade de chegar a certos grupos do eleitorado e baixas taxas de resposta, efeitos cada vez mais rápidos com a difusão da informação nas redes sociais e, com especial incidência no caso português, uma crise estrutural da comunicação social que agrava a escassez de meios para investir em estudos com garantias metodológicas de rigor e qualidade. Face a estas dificuldades reais, importa pois fazer tudo o que esteja ao nosso alcance para não somar a tudo isto os enviesamentos (conscientes ou inconscientes) dos próprios jornalistas e analistas.

Assim, é hoje mais fundamental do que nunca ter sondagens credíveis e independentes. Perante este cenário, foi com muito gosto que aceitei o desafio da Reitora, Prof. Isabel Gil, para dirigir o Centro de Estudos e Sondagens de Opinião da Universidade Católica Portuguesa. A adaptação ao novo desafio de dirigir um centro de sondagens de referência conjugado com a acumulação com outras responsabilidades académicas e científicas em Portugal e no Reino Unido justifica a (difícil) decisão de suspender a minha colaboração semanal com o Observador. Agradeço a José Manuel Fernandes e Rui Ramos a oportunidade que me deram de ser parte, desde o início, deste estimulante projecto, assim como aos meus dois directores – David Dinis e Miguel Pinheiro – a impecável simpatia e correção com que sempre fui tratado. Continuarei a colaborar ocasionalmente e não posso terminar sem agradecer (last but certainly not least) a todos os leitores pelo tempo e atenção que dedicaram aos meus 134 artigos ao longo destes mais de dois anos e meio. Até já e até sempre.

Professor do Instituto de Estudos Políticos e Director do Centro de Estudos e Sondagens de Opinião da Universidade Católica Portuguesa.