Uma pessoa está pacata e sonolentamente sentada a assistir ao primeiro dia do Congresso do PS quando, ao fim de uns minutos, começa a perceber que, apesar de serem apenas 10h da manhã de sábado, se está a passar alguma coisa extremamente excitante. Os militantes socialistas agitam-se, congratulam-se, entusiasmam-se. Batem palmas uma, duas, três vezes — quatro, cinco, seis, sete, oito, nove, dez, onze, doze, treze. Foram 13 vezes no total. Não era uma rock star, era José Pacheco Pereira (o que, para efeitos do Congresso do PS, é mais ou menos a mesma coisa).

O que é que o militante do PSD estava a dizer que tanto excitava os socialistas? Isto: que o PS atual não é suficientemente de esquerda. E isto: que Bruxelas está dominada por burocratas não eleitos que seguem políticas neoliberais. E ainda isto: que é preciso rasgar o Tratado Orçamental. Os congressistas gostaram.

Os dirigentes também. Pedro Silva Pereira, que escreveu a moção de António Costa, “reconheceu” que “o que Pacheco Pereira disse sobre o Tratado Orçamental é absolutamente fundamental”. Ana Catarina Mendes, secretária-geral adjunta do PS, afirmou que o Tratado Orçamental é mais limitador para a ação do PS do que os acordos com o BE e o PCP. António Costa começou o seu discurso de encerramento a lembrar que o PS é “o campeão nacional da integração europeia” e acabou-o a pronunciar, enfaticamente, “basta”. E João Galamba, com o seu habitual histrionismo, gritou que o PS não se chama “Partido Europeísta” — “Nós somos o Partido Socialista, ponto”.

Ponto e vírgula. Durante os três dias do Congresso, ninguém lembrou que a União Europeia é um espaço político de democracia e progresso; que a solidariedade europeia atual nos ajuda e moderniza; que o dinheiro que nos é enviado todos os dias de Bruxelas nos afasta da miséria e da pobreza. Ninguém disse uma coisa óbvia: com neoliberalismo ou sem neoliberalismo, a União Europeia — a de hoje, a que existe — faz de nós um país melhor.

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Estou a mentir, desculpem: houve uma pessoa que disse isso e pensou isso. Ou melhor, duas. A primeira: Francisco Assis, que foi colocado na singular situação de ouvir assobios e apupos durante o seu discurso. A segunda: o congressista esforçado que foi batendo palmas a espaços enquanto Assis falava. É pouco e é curto.

O realizador italiano Nani Moretti ficou famoso pela frase “Por favor, diga alguma coisa de esquerda!”. No Congresso do PS, não teria sido suficiente. Seria preciso acrescentar uma palavra. O que os socialistas pedem hoje em dia é outra coisa: “Por favor, diga alguma coisa de extrema-esquerda!”.

Quando derem por isso, o PCP e o BE vão perceber que deixaram de ser necessários — a contestação a Bruxelas e aos horrores do capitalismo será toda feita pelos socialistas. Querem ver que o plano é mesmo esse?

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