Segundo os próprios, eles não são apenas diferentes: são o oposto um do outro, deus e o diabo, a noite e o dia, água e azeite. Para os costistas, Seguro está à direita, colado ao governo, e Costa à esquerda, incompatível com o governo. Para os seguristas, Costa representa a oligarquia lisboeta, comprometida em todos os negócios, e Seguro o bom povo da província, puro e ingénuo.

Para quem não tomou partido, estes maniqueísmos são muito pouco credíveis. Costa tem razão ao dizer que as ideias de ambos são as ideias do partido, e não tem razão quando se recusa a reconhecer que ambos criticam o governo da mesma maneira e com a mesma veemência. Até nesse ponto crucial que é a atitude perante o governo de Sócrates, os dois estão mais misturados do que admitem. Seguro levou demasiado tempo a confessar divergências e nunca as explicou, de modo que não parecem mais do que um incidente pessoal. Costa tem a claque socrática do seu lado, mas até nisso, como em tudo, consegue ser ambíguo. No primeiro debate, permitiu-se críticas à auto-suficiência socrática. Até onde poderá chegar no repúdio do antecessor, quando já não precisar dele?

De qualquer modo, escolher Costa ou Seguro é menos determinante para o destino do PS do que este facto, estabelecido durante os debates: António Guterres é o candidato presidencial preferido de ambos os concorrentes. E isso conta mais do que ser este ou aquele o aspirante do PS a primeiro-ministro.

A queda de Santana Lopes em 2004 ou a crise da corrente maioria PSD-CDS em Julho de 2013 deviam ter-nos dado ideia da margem de manobra de um Presidente da República. A partir de 2015, talvez o poder presidencial ainda seja mais evidente. Com um parlamento sem maioria absoluta ou regido por acordos voláteis, como é provável, caberá ao Presidente, com maior ou menor discrição, inspirar aproximações, cultivar acordos, marcar a agenda. Por isso, no avanço para 2015, um candidato presidencial plausível reforçará o apelo de qualquer proposta partidária, enquanto parte de um projecto político de estabilidade.

A questão da estabilidade governativa será decisiva. Só na chicana do parlamento e na palração do comentário televisivo, é que há margem para grandes variações governativas. O país perfilhou as regras da União Europeia e a oligarquia política quase matou o crédito público, de modo que nunca as opções estiveram tão limitadas (daí, vermos “liberais” a aumentar impostos, e “socialistas”, como o Sócrates final, a cortar pensões). Não sendo possíveis grandes desvios de políticas, a garantia de estabilidade constituirá o principal critério diferenciador das propostas eleitorais em 2015: não se trata de saber o que vão fazer (já sabemos), mas que serão capazes de fazer alguma coisa.

Desse ponto de vista, o verdadeiro bilhete do PS para voltar ao poder não é nem Costa nem Seguro: é Guterres, se ele confirmar a candidatura. E é por esse lado que a vantagem socialista é manifesta. É que para Costa ou para Seguro, a actual maioria tem adversários à altura; mas para Guterres, até agora, não. Podemos imaginar Passos Coelho a debater com Costa ou com Seguro e a sair em vantagem. Neste momento, não está identificado quem possa fazer o mesmo com António Guterres. A direita tem-se entretido a especular sobre as cicatrizes que a divisão do PS deixará no seu líder. Faria talvez melhor em procurar o seu candidato presidencial. É que nenhuma solução partidária será suficiente como solução de poder, se omitir o elemento presidencial.

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