Todos os partidos têm o seu D. Sebastião. Por regra, é o líder que não é mas podia ser. No PS, em 2014, esse D. Sebastião chama-se António Costa e ontem saiu do nevoeiro, à beira Tejo.

Eu estava lá. Tinha ido, como uma centena de outras pessoas, assistir à inauguração do monumento a Maria José Nogueira Pinto. António Costa acabara de falar para uma plateia onde estavam três ministros – Paulo Portas, Rui Machete, Pires de Lima – e primeira dama, Maria Cavaco Silva. Prestara homenagem à “Zézinha”, não sem ter o cuidado de notar que, ideologicamente, um mundo os separara, distribuíra cumprimentos e sorrisos por entre uma nuvem de figuras gradas da direita, ouvira alguém pedir para que lhe desse a possibilidade de “votar nele” e, chegado o momento, dirigiu-se às câmaras das televisões que se alinhavam na Ribeira das Naus. O anúncio, iluminado pelo sol do meio-dia, chegou sob a forma de disponibilidade. Mas a campanha arrancara já, com uma conta no Twitter e uma página no Facebook. Costa não estava ali apenas para oferecer os seus serviços a Seguro, estava ali para desafiar Seguro.

Todos os que, nos últimos tempos, conspiraram contra a liderança do PS rejubilaram. Chegara a sua hora. Os próximos tempos mostrarão se têm força suficiente para desmanchar a teia que António José Seguro teceu no partido, ou se têm tropas para assaltar a fortaleza do poder socialista.

Como sempre sucede com as figuras de D. Sebastião, a imagem de António Costa é mais baseada na mitologia do político assertivo e com obra feita (em Lisboa) do que numa plataforma política alternativa à representada pela actual liderança. E é aí que, desculpem a inconveniência, a porca torce o rabo.

As ideias de Costa para Portugal – ou aquilo que se conhece das ideias do actual presidente da Câmara de Lisboa para o país, que é menos do que às vezes se pensa pois ele tem sempre muito cuidado em não se comprometer demasiado – não são radicalmente diferentes das de Seguro. Podem variar na ênfase, não variam na substância. Muitas das coisas que o incomodam têm de ser discutidas na Europa (como o Tratado Orçamental), por cá não haveria muitas alternativas, algo que Seguro também diz sempre que pode.

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Costa tem, sobre Seguro, a vantagem de beneficiar de uma boa imagem pública. Mas Costa é, como Seguro, um socialista, e o problema dos socialistas é que estes têm, em Lisboa como em Madrid, em Paris, em Londres ou em Atenas, um enorme problema: o de conciliar as suas promessas de mais estado social com a dura realidade do rigor orçamental. O de conciliarem as expectativas que suscitam com as realidades que enfrentam.

Por essa Europa o que sucedeu a todos os partidos socialistas e social-democratas, com líderes carismáticos ou com líderes cinzentões, foi que a quem quer que tenha chegado ao poder cavalgando uma onda de promessas e um discurso anti-neoliberal, acabou por ter de fazer marcha-atrás e não tardou que sofresse pesadas derrotas eleitorais. Não têm faltado ilusões seguidas de desilusões. A excepção a esta regra chama-se, por enquanto, Matteo Renzi, mas esse é um reformista italiano, um jovem político contra o qual rezingam muitos, os que o acusam, precisamente, de cedência ao neoliberalismo.

Onde se situa António Costa? Será ele mais ao estilo Renzi? Ou cederá ele aos seus instintos conhecidos, que o aproximam muito mais de um Hollande?

Noutros tempos o carisma e a imagem pública eram quase tudo quando se falava de um político. Nos tempos que correm, sobretudo para políticos social-democratas que querem ser governo numa era de austeridade (e de Tratado Orçamental), isso já não basta. É por isso que as propostas de Costa-candidato-a-primeiro-ministro serão sempre muito mais escrutinadas do que alguma vez foram as ideias de Costa-candidato-a-presidente-de-câmara.