Doidos, sem-vergonha, irresponsáveis. Os deputados que, em euforia intempestiva de quem voltou a “mandar nisto tudo”, puseram fim aos exames nacionais a Português e Matemática no quarto ano de escolaridade. Numa penada, de ânimo leve, sem vacilar, sem engulhos de consciência. Ilustração mais-que-perfeita da génese da desregulação do sistema de ensino nas últimas décadas: a sua instrumentalização pelo jogo político-partidário-ideológico.

Se a coligação de direita que acaba de cessar funções governativas deixou quase na mesma o que, no ensino, é crucial, a saber, a regulação de comportamentos nas salas de aula e nas escolas, o novíssimo ajuntamento interpartidário das esquerdas voltou a invadir de arromba a dignidade do ensino.

Adivinho que não ficaremos por aqui. As tutelas políticas que gerem a vida quotidiana não param de comprovar que as sociedades e as suas instituições, em particular as instituições socialmente sensíveis (família, escola, justiça, saúde, segurança, entre outras), podem ser muitíssimo mais vítimas daqueles que não sabem ficar quietos e calados e, mexendo-se, não sabem ser ponderados do que vítimas dos que fingem que o que se passa à sua volta não é nada com eles. É nisto que se traduz a fragilidade dos compromissos entre o respeito pela tradição e a introdução de inovações ponderadas em sociedades infantilizadas por se revelarem incapazes de exorcizar os seus passados revolucionários.

Os poucos dias da nova governação deixam ainda a descoberto outro sintoma das rábulas políticas. Repete-se pela enésima vez a transformação do lugar de ministro da Educação em estágio para quem se queira iniciar nas lides políticas. Para infortúnio do ensino, entre os que passaram no estágio com distinção contam-se Guilherme de Oliveira Martins, Augusto Santos Silva ou Manuela Ferreira Leite. Depois, esses e outros receberam o aval dos pares seniores para se dedicarem à política “a sério”, subindo para a divisão principal dos “pesos pesados”. Com resultados para o ensino semelhantes, há também os que chumbam logo no estágio, como Maria do Carmo Seabra ou Isabel Alçada. Por último, sobram os que necessitam de “Novas Oportunidades”, como Maria de Lurdes Rodrigues.

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Antes de intervirem, não raras vezes de forma absurda e abrupta, nunca os que têm condicionado diretamente os rumos do ensino – destaco Mário Nogueira e respetivas elites sindicais, representantes das associações de professores e de pais sabe-se-lá-como, para além da elite política – evidenciaram um respeito minimamente convincente pelo conjunto de sensibilidades geracionais, cívicas, institucionais, profissionais, pessoais, científicas, pedagógicas, religiosas, políticas ou outras que instituem o universo do ensino. No ensino, nenhuma decisão é meramente científica, técnica, objetiva, indiscutível, inatacável. É por isso que a eficácia da gestão do sistema depende dos que trabalham nas salas de aula sentirem que são tratados de forma cuidada, ponderada, respeitadora, estável por quem condiciona e decide o sentido do seu quotidiano.

É saturante ver a instituição cuja identidade e dignidade partilho e à qual procuro dar o meu melhor há bem mais de duas décadas (e em salas de aula onde o que é importante se decide) ser recorrentemente atropelada por essa gentalha. Não é possível que eu esconda o que faço em sala de aula. E o pouco de bom que vou conseguindo tem sido conquistado contra a casta política, intelectual e académica dominante, muitíssimo bem representada no atual regresso pujante ao poder das esquerdas. A tais mestres na arte da usurpação de legitimidades políticas recomendo: vão dar aulas como eu nas periferias urbanas e suburbanas!

Decidir se se fazem ou não exames nacionais, como e quando – bem como sobre muitas outras matérias, como as insuportáveis aulas de noventa minutos, características de currículos hoje indigestos, opções pedagógicas que se tornaram lunáticas ou um sistema de classificação dos resultados escolares transformado num incompreensível labirinto – implicaria, no mínimo, realizar antecipadamente referendos simples e claros, orientados por questões objetivas, para que cada professor de sala de aula que todos os dias tem de gerir a complexidade da vida institucional expresse de moto próprio o que pensa, considerando as opções que apoia ou manifestamente rejeita. A manipulação e a falsidade das políticas educativas têm passado por contornar sistematicamente os fundamentos da legitimidade de quem se pronuncia em nome de terceiros. Se existem esgotos a céu aberto no modo como os sistemas políticos destratam os sistemas sociais, eles são nauseabundos nas relações entre o poder e a escola.

Não obstante a doutrinação marxista-leninista que há décadas corre em rédea solta nas salas de aula formatando a maioria sociológica de esquerda – evidentes em programas e manuais de história do 9º e 12º anos que quase não permitem que os alunos percebam que negar a dignidade e o direito à existência aos judeus (no nazismo) ou aos burgueses (no comunismo) constitui um apelo equivalente ao genocídio, sendo que os alunos são treinados para não perceber que Estaline (primeiro) e Hitler (depois) são irmãos gémeos precisamente porque o primeiro tem sido protegido pelos ideólogos d’Abril, ainda que Estaline tenha sido decisivo no derrube de um regime moderado (o “menchevique”) e se tenha transformado em figura de proa do primeiro regime brutalmente totalitário da contemporaneidade (o “bolchevique” e depois comunista) –, há quem duvide que os problemas do ensino são essencialmente ideológicos. E gerados pela ideologia tipo Frente Popular que regressou estridente ao poder em 2015. Para nossa desgraça.