Com o regresso da geopolítica à Europa, a Espanha volta a ser um problema para Portugal. Na verdade, nunca deixou de ser, mas o contexto da integração europeia alterou a natureza do problema. Após 1976, o regime democrático português definiu um objectivo estratégico central: Portugal não poderia aderir à Comunidade Europeia depois da Espanha. A Espanha não poderia estar na ‘Europa’, e Portugal de fora. Nem que fosse por um ano. Seria fatal para os interesses portugueses.

Depois da entrada simultânea, todos os governos portugueses assumiram um segundo objectivo estratégico: Portugal teria que estar sempre no pelotão da frente com a Espanha. A Espanha queria estar no Euro, Portugal também tinha que estar. E, mais uma vez, assistiu-se a uma adesão comum dos países ibéricos, desta vez à zona Euro. A integração na Europa a par e par permitiu a Portugal preservar alguma autonomia política, económica e financeira em relação à Espanha. A questão espanhola parecia assim resolvida. Mas não está. A crise europeia e a União a várias velocidades trazem de volta a questão espanhola.

A Espanha reforçou a sua posição na União Europeia e na zona Euro desde o início da crise. Resolveu os problemas do sistema financeiro e os seus bancos voltaram a expandir-se fora de fronteiras, como os portugueses bem sabem. As reformas do primeiro governo Rajoy são apreciadas, elogiadas e, mais importante, estão a dar frutos. A economia espanhola foi uma das que mais cresceu na zona Euro no ano passado. Politicamente, a Espanha foi igualmente capaz de resolver a crise, iniciada com as eleições de Dezembro de 2015. Tem hoje um governo minoritário, relativamente estável e apoiado por uma maioria pró-europeia no parlamento.

O risco político é hoje uma questão central na Europa. Os mercados, as agências de notação e as instituições financeiras internacionais e europeias olham para o risco político na Europa através de duas questões: qual é a capacidade e a vontade reformista do governo para recuperar a competitividade económica perante as economias emergentes asiáticas? E, em segundo lugar, o governo é apoiado por e representa uma maioria pró-europeia? No caso espanhol as respostas a estas questões resultam numa avaliação baixa do risco político. Claro que a estas questões gerais, devem acrescentar-se problemas específicos a cada país. Em Espanha, o problema da Catalunha constitui o maior risco político. Mas não chega para agravar a avaliação de risco em geral do país.

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Se compararmos com a Espanha, Portugal perde em quase todas as frentes. Apesar de algum progresso, o sistema financeiro em Portugal continua muito mais instável e frágil do que em Espanha. A economia cresce menos. Mas a grande diferença está no risco político. O mundo e a Europa financeiros e políticos olham para o governo português como anti-reformista e apoiado numa maioria parlamentar anti-europeia. Se o governo português quer perceber por que razão os juros da dívida têm crescido, apesar das boas notícias sobre o défice, encontra-a na avaliação do risco político. Uma aliança parlamentar com partidos que passam a vida a defender a saída do Euro e atacar as regras da união bancária tem custos. Se em Espanha houvesse um governo minoritário do PSOE, apoiado pelo Podemos e a Esquerda Unida, a dívida espanhola estaria seguramente mais cara.

Obviamente, António Costa sabe os riscos que corre mas fez uma opção: uma maioria parlamentar com partidos anti-europeus, mesmo aumentando os riscos políticos e o custo da dívida. Os portugueses devem saber que cada vez que o país se financia nos mercados e contrai dívida, somos todos nós que vamos pagar os custos da opção de Costa. Nós, os nossos filhos, os nossos netos e todos os que estão para nascer nos próximos 50 anos. Há maiorias políticas muito caras.

Mas o risco pode ainda tornar-se maior no futuro, com a emergência de uma Europa a la carte. Portugal acompanhou sempre a Espanha no pelotão da frente na Europa, mas desde o início de 2016, no que toca ao risco político e ao custo do financiamento, os vizinhos ibéricos deixaram de estar no mesmo pelotão. Pela primeira vez, desde a adesão conjunta à Comunidade Europeia em 1985, Portugal e a Espanha não estão no mesmo pelotão. Os nossos vizinhos estão na frente. Esta avaliação será importante quando se definir o futuro da zona Euro em 2018.

Em termos geopolíticos, a Espanha goza de uma grande vantagem: a aliança com a Alemanha. A aliança entre Berlim e Madrid é hoje uma das mais importantes na União Europeia. Foi o governo alemão e Merkel que fizeram questão que Rajoy estivesse presente na recente reunião do concerto dos quatro grandes, Alemanha, França, Itália e Espanha. Roma e Paris queriam uma reunião a três, sem os espanhóis. Berlim não deixou. O Brexit vai fazer da Espanha o quarto grande da União e o governo radical polaco levou Berlim a privilegiar Madrid em detrimento de Varsóvia.

Enquanto tudo isto acontece, Catarina Martins e Jerónimo de Sousa, de quem o governo depende no parlamento, andam a brincar com a saída do Euro. Portugal pode sair do Euro, mas a Espanha não sai, a não ser que o Euro acabe. Convinha que a Lisboa política e diplomática percebesse isto muito bem. E que explicassem ao BE e ao PCP, como se eles fossem estúpidos, que se um dia Portugal sair do Euro, tornar-se-á numa colónia económica e política de Espanha. Uma colónia que faria o período dos Filipes parecer um caso de independência nacional.