Entro no ginásio. Detesto ginásios e tudo o que seja exercício físico em massa. Dito isto, não encontro piscina para nadar fora dos ginásios pelo que o facto se torna questão e, por causalidade, incontornável. Adiante.

Dou o cartão a quem me atende e, em troca, recebo um cumprimento e 2 toalhas. “Olá José; Bom treino José”. Muitas perguntas ecoam na minha cabeça:

  • quantas toalhas foram consumidas atá à hora em que chego? Poderia estar aqui a pensar num negócio associado de prestação de serviços de lavandaria ou num de transporte de toalhas;
  • quantos sócios entraram até à hora que chego? Poderia estar aqui a pensar na oferta de um produto ou serviço a dadas horas aproveitando o tráfego;
  • estará ou não cheio o ginásio a esta hora? Olhem que boa altura para um sampling de shampoo;
  • vou ou não ter uma pista de piscina para nadar? Poderiam oferecer-me um café antes de subir ao balneário porque, apenas dentro de 15 minutos, se prevê uma pista livre (e não é difícil saber que seria um café porque basta estar atento ao que bebo no bar).

Simples perguntas como estas, e simples associações, podiam ser respondidas por meio de uma app barata, simples, desenvolvida para o telemóvel. Pensaria assim: qual a média diária das afluências no dia homólogo (dias homólogos) ao de hoje nos últimos anos? Qual o desvio padrão? Com isto saberia quantos sócios, em média, e em desvio-padrão, faltariam entrar. E os que já tinham entrado.

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Se estivesse em casa e a utilizar a app pensaria: vou ou não ao ginásio? Se não for é porque a minha estimativa (que me podia de resto ser dada pela app) me diria que o número de entrantes, sócios, depois da minha hora (prevista) de entrada se estimaria num determinado valor. Sabendo eu que existem 700 m2 para todos e uns 300 cacifos para homens não será complexo perceber se devo ou não avançar para o ginásio e dar-me ao trabalho de apanhar um slot daqueles ao estilo metro em hora de ponta. Ah, e só existe uma piscina de 25 metros com quatro pistas largas.

Melhor que isto. Esqueçam todas as atividades conjuntas na piscina (hidroginástica, kids classes, outras). Subtraiam-se essas horas e períodos das análises a fazer. Uns sensores em vários locais a comunicarem com um PC fariam um trabalho simplicíssimo de avaliação da população média da piscina por horas ou por slots de meia hora e com a variação própria dos dias da semana e dos dias do mês e, ainda, incorporando a sazonalidade própria destas coisas: retirando ou incorporando pontes, feriados, períodos de pausa, alturas do ano em que todos acham que irão ser novamente deuses de 20 anos e ter corpos de adónis porque se aproxima a época balnear!

Enfim, uma simples app, simplicíssima, dir-me-ia coisas tão banais como estas:

  • quantas pessoas entraram no ginásio até à hora em que consulto a app? quantas estão estimadas entrar?
  • quantas entraram na piscina? quantas estão estimadas entrar?
  • quantas estão nos balneários? quantas estão estimadas estar?
  • quantas estão nos duches? quantas estão estimadas estar?

E por aí fora. Mais, dir-me-ia essa app por hora, com média e com desvio padrão, com mais erro ou menos erro (e eu podia associar na app o erro de leitura que gostaria de ter) o número estimado de sócios para hoje.

Paranoia? Não me parece. Se eu chegar hoje a casa às 19h40 e for direto ao ginásio, onde irei consumir mais 30 a 40 minutos que o habitual devido ao número de pessoas presentes, para além das clássicas irritações, porque não esperar pela hora seguinte, onde as estimativas são muito mais favoráveis? Trabalho mais uma hora em casa, saio calmamente para o ginásio, janto ligeiramente mais tarde. Faço as minhas piscinas na mesma, não encontro multidões, volto a casa de forma tranquila e até janto menos porque é mais tarde. Globalmente, consegui ganhar em várias frentes: pensar num ginásio e numa piscina livres, num final de dia mais calmo, num jantar mais apropriado, numa perspetiva bem mais simpática de me organizar. Isto em tempo real. Ou quase. Imaginem agora que a isto somava mais 30 minutos e chegava não às 19h40 mas às 20h00 porque havia trânsito. A consulta da app no trânsito dir-me-ia se devia ou não passar por casa.

Dir-me-ão que isto é difícil. Nada difícil. E nenhum ginásio faz isto. O mais que fazem é apenas darem uma estimativa, pelo número de cartões que são mostrados na entrada, dos períodos de maior e de menor afluência. E contentam-se com isto. Como estes períodos são refletidos por histórico, mais ou menos recente (na maioria das vezes nem são atualizados e apenas permanecem pelos sites como se fossem informação utilíssima) acontece com frequência apontar para um período mais baixo em afluência e, ao contrário do imaginado, estarmos em pico, ou quase. Sendo certo que as aulas na piscina vão variando de horário e isso não deve estar contemplado no número de utentes da piscina num dado horário. Ou seja, o histórico que usam não incorpora informação das aulas e atividades conjuntas pelo que é totalmente inútil para quem apenas quer nadar (sem aula).

Não estou sequer a falar de big data porque isto é apenas data e data science (dados e que se obtêm de forma estruturada). Mas se quisesse filmar a piscina e saber as pistas mais ocupadas, o tempo médio de permanência de cada utente e o correspondente desvio-padrão, o tipo de atividades que faz, se nada bruços, mariposa ou crawl, se nada com ou sem erros, de está a prejudicar-se mais que a ajudar-se em termos físicos, que equipamento usa…podia apoiar muitos dos utentes com conselhos simples, grátis, que assegurariam muito mais a sua fidelização.

O parágrafo anterior seria muito mais certeiro se, por exemplo, se filmasse a piscina e se usasse um sistema de recolha ótico com capacidade para fazer, por exemplo, 25 frames por segundo e, então sim, entraríamos no mundo big data para percebermos as inúmeras formas diferentes de nadar mas, também, a tipologia de erros mais comuns e suas consequências. A ocupação das pistas, a tipologia dos nadadores, enfim tudo ou quase tudo.

Por meio de filmagem teríamos acesso a dados, não estruturados em linha ou coluna, mas numa tal quantidade que conduziriam, se trabalhados, a “portos mais seguros”: associação dos pesos dos utilizadores aos estilos de natação praticados, alturas, posturas, metros nadados, paragens, equipamentos, erros, tempos, entre tantos e tantos outros. E se pedíssemos a cada utilizador que usasse um simples aparelho de medição e comunicação de dados a um PC (IoT), batidas cardíacas, volumetria da caixa torácica, quantidade de ar inspirado, tensão arterial, entre tantos outros, poderíamos ser levados a concluir para um sócio e com algum rigor quantas piscinas e de que forma e com que frequência semanal deveria nadar para manter um dado peso. Com uma variável de input como a tipologia da alimentação prévia à minha chegada ao ginásio saber-se-ia a queima calórica necessária e o número de piscinas a fazer e em que estilo ou estilos e, no dia seguinte, as necessidades alimentares para determinada queima calórica supondo que o exercício seria o mesmo. E as variantes a esta análise seriam muitíssimas.

Aqui sim, estaríamos mais à frente da app inicial. Como utilizador poderia entrar na app e com acesso e trabalho de big data a consequência poderia ser um nível de sofisticação do ginásio muitíssimo superior. Isto porque acredito que a maioria, embora tivesse que ser comprovado, é como eu. Vai ao ginásio (ou à piscina) por obrigação funcional e não for fun.

Tomando isto como verdade poderíamos chegar a conclusões tão simples e paradoxais como estas:

  • José, nade apenas 10 minutos porque são melhores que 30 minutos;
  • José, nade 2 vezes por semana e não 4;
  • José, não tome um café no final da natação;
  • José, pare a meio das piscinas que faz e beba um copo de água;
  • José, nade entre as 7h00 e as 8h00 da manhã e não ao final da tarde;
  • José, não nade, hoje e nunca mais (faça antes outro desporto, por exemplo!).

Tudo isto obviamente aplicado ao individuo a quem se saudou, cumprimentando, à entrada. Se em vez de “Olá José” me dissessem “Olá José, hoje por favor não nade e faça a aula de Pilates que temos a começar em 5 minutos; temos aqui o equipamento para si porque sabemos que não tem nem ténis, nem calções, nem t-shirt ou meias apropriadas uma vez que veio para nadar”, imaginem qual não seria o meu espanto. “Hoje, com a alimentação que fez (e que eu tinha descarregado previamente na app), não precisa mais do que Pilates para revigorar o seu corpo”; “não compensa fazer piscina por várias razões – porque estará cheia, porque hoje não terá o resultado que espera dela, porque o Pilates hoje e a esta hora é-lhe bastante mais indicado”.

Como me poderiam dizer isto/fazer isto? Bom, trabalhando big data conseguir-se-iam respostas e interpelações destas. Estamos pois a falar não dos primeiros ginásios nem dos ginásios com máquinas e mais máquinas que medem isto e aquilo mas que não servem, ou alimentam, análises preditivas. Estamos a falar do amanhã: Ginásio 3.0. IoT – Internet of things, câmaras de filmar, processamento de dados não estruturados – big data –, sensores, leitores e transmissores de informação em todo o lado. Fontes várias, origens diversas, não estruturadas, a alimentarem análises a vários níveis.

Professor Catedrático, NOVA SBE (crespo.carvalho@novasbe.pt)