No dia 2 de Outubro de 2015, publiquei no semanário Expresso o artigo de opinião “A próxima geração de políticas do território”. Nele referi algumas “hipóteses verosímeis” de prospetiva territorial, isto é, de produzir território novo: os arcos metropolitanos do litoral, as redes de cidades e as cidades-região, os polos tecnológicos e as redes inteligentes, as regiões administrativas do continente, as comunidades intermunicipais, o país rurbano e neorural e, finalmente, a territorialização desconcentrada das políticas públicas.

Desta vez, em vez de uma “hipótese verosímil” trago uma “hipótese ficcionada” para o leitor avaliar. Trata-se de uma conexão estrutural de longo alcance entre “o modelo TTIP” de crescimento económico, a plataforma logístico-económica que lhe corresponde no espaço da macrorregião peninsular e a eventual integração política ibérica que daí pode decorrer.

O “modelo TTIP”: o primado do modelo transcontinental sobre o modelo regional europeu.

O tratado transatlântico de comércio e investimento (TTIP) tem na sua base um acordo de parceria entre a União Europeia e os Estados Unidos. Os objetivos deste acordo de comércio entre as duas margens do Atlântico são bem conhecidos: acesso livre ao mercado pela redução de barreiras e custos alfandegários, a harmonização de normas internacionais em matéria de ambiente, saúde, segurança do trabalho, a convergência das práticas regulatórias, a resolução extrajudicial dos conflitos de concorrência, entre outros. Assim, estima-se um crescimento potencial do PIB europeu da ordem de 120 mil milhões de euros, estimulado pelo comércio e investimento de PME e multinacionais dos dois lados do Atlântico. Neste modelo transcontinental, os EUA e as suas empresas multinacionais em particular seriam o centro do mundo pois pelo continente americano e em especial pelo canal do Panamá passariam doravante os grandes movimentos comerciais e financeiros do transpacífico e do transatlântico. Nesta nova geografia política e económica mundial a pequena península euro-asiática da Europa seria um território de destino e um ator político de 2ª ordem e a península ibérica uma plataforma logística de acesso ao mercado europeu.

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Uma grande plataforma logística na macrorregião peninsular

Face a este colossal “modelo TTIP” de comércio e desenvolvimento protagonizado por poderosas empresas multinacionais todas as outras hipóteses territoriais fazem lembrar um “Portugal liliputiano”, ao mesmo tempo decorativo e irrelevante. Acresce que Portugal é um país bastante endividado, com uma dívida pública, uma dívida privada e uma dívida externa muito elevadas. Tem uma carga fiscal igualmente muito elevada e um sistema bancário em situação muito vulnerável. Quer dizer, o país não tem capitais próprios para fazer, de forma independente, o investimento de modernização e as reformas estruturais que se impõem para iniciar um novo ciclo de crescimento económico sustentado. Neste contexto, é muito tentador adotar um modelo exógeno de crescimento que lhe “promete” capital e investimento para as grandes infraestruturas aeroportuárias, portuárias e ferroviárias de ligação à Europa através da península ibérica e que são outras tantas plataformas logísticas e empresariais para o grande transbordo transoceânico e transcontinental. Evidentemente, neste quadro de novos relacionamentos, seríamos igualmente beneficiados pelos financiamentos das autoridades europeias e americanas, isto é, capital e financiamento não faltariam.

A integração na macrorregião peninsular

Se este “modelo TTIP” se concretizar, e estamos convencidos de que, pelo menos parcialmente, isso acontecerá, há um corolário lógico que é necessário equacionar. Falamos da geopolítica do “modelo TTIP” no quadro da península ibérica. Com efeito, ficaríamos muito provavelmente entrincheirados, como país, entre o investimento multinacional, por um lado, e o investimento espanhol, por outro, que, assim, assumiria a liderança da macrorregião peninsular, de resto, um vector da política regional europeia que esta patrocinaria sem grandes dificuldades e, provavelmente, muito generosamente no quadro do “modelo TTIP”. No limite, não nos custa supor que a integração política na península ibérica poderia avançar, por exemplo, na senda de alguma espécie de federalismo ibérico.

Uma nota final…

Pode parecer estranho ou abusivo o que fica dito atrás. Todavia, o “modelo TTIP”, pode dizer-se sem receio de errar, inscreve-se na linha argumentativa anglo-saxónica e nórdica de uma integração liberal e nessa medida a renegociação e o referendo acerca da presença britânica em curso na União Europeia é uma espécie de aviso à navegação. Esta é a minha “hipótese ficcionada”, o leitor, porém, melhor ajuizará.

Professor da Universidade do Algarve