Há surpresas que, sendo-o, não surpreendem ninguém.

Vem isto a propósito da incapacidade de Angela Merkel formar um governo de maioria parlamentar, com apoio dos Liberais e dos Verdes, a chamada coligação Jamaica.

É uma surpresa porque na Alemanha, desde a aprovação da actual Constituição, em 1949, houve 18 legislaturas e 25 governos: todos eles, sem excepção, tiveram apoio maioritário no Parlamento, o Bundestag, e todos eles, sem excepção, resultaram de coligações de dois, três ou mais partidos, num máximo de cinco. A estabilidade na Alemanha tem sido a regra, antes e depois da queda do Muro.

E contudo, não surpreende ninguém, por um conjunto mais complexo de razões: a grande disparidade do programa dos três partidos que negociaram a coligação Jamaica, em temas tão delicados como os refugiados , a energia e a Europa; nessa perspectiva, o abandono das negociações por parte dos liberais do FDP, velho e tradicional aliado da CDU/CSU em tempos que já lá vão; a recusa do SPD, que nos últimos 12 esteve quatro anos coligado com a CDU de Merkel, em participar no governo; a inexistência de outras alternativas viáveis para formar uma maioria governativa; e a novidade da eleição de um grupo de deputados de um partido que muitos dizem de extrema-direita, o AFD, Alternativa para a Alemanha, protecionista, nacionalista e anti-integração europeia.

Uma esperada surpresa, afinal. As suas consequências podem ser devastadoras para a Europa.

Já se fala de eleições na Primavera. O presidente alemão, Steinmeier, em nome da tradicional estabilidade germânica apelou ao bom senso em vista a um consenso (ou será o contrário?). Schulz, o líder do SPD oposto a uma coligação, mas também Christian Lindner dos liberais e a própria Merkel já reconheceram, entretanto, a dificuldade de chegar a um acordo e admitem a hipótese de eleições.

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É uma derrota política para a chanceler, que pode ter visto a sua vitória de Setembro transformar-se numa vitória pírrica. E é uma má notícia para a Europa; uma muita má notícia para Macron; e uma péssima notícia para o Reino Unido.

Para o Reino Unido significa maior incerteza quando à passagem à segunda volta das negociações do Brexit, que um governo germânico maioritário e de legislatura teria interesse em acelerar; para Macron representa um novo adiamento do seu grande plano europeu de relançamento e reformas; para a Europa, é tudo isso junto e pior, um estremeção do pilar mestre da grande casa europeia.

Resta Angela Merkel, que também já anunciou que prefere eleições a liderar o primeiro governo minoritário na história da República Federal da Alemanha. O seu futuro político volta a estar em jogo. Merkel falou num “dia quase histórico”.

O seu “quase”, neste contexto, pode ser premonitório ou simples “wishful thinking”. Vá-se lá saber o que vai na cabeça de uma chanceler alemã. A haver eleições tudo é possível: uma votação reforçada na CDU, um retorno do SPD, um aumento da representação parlamentar do AFD, ou outra coisa diferente. Qualquer vaticínio nesta fase vale tanto como um outro vaticínio qualquer, isto é, não vale nada.

A nova fraqueza alemã não é boa para ninguém, numa Europa tão ameaçada, seja pela globalização, a imigração ilegal, a pressão dos refugiados, a regressão do Mundo multilateral, o dedo no botão nuclear de Trump, o Inverno demográfico, a robotização que ameaça empregos, o aquecimento global. Uff. Esta não é mesmo a melhor altura para uma crise política na Alemanha, não lhes parece?

E agora uma coisa completamente diferente: a Agência Europeia do Medicamento (AEM). Politicamente correcto é dizer que o Porto lutou bem, que o resultado foi injusto, uma imposição do centralismo europeu; que para a próxima é que é.

Na verdade, caseirismos patrioteiros à parte, trata-se de um resultado esperado quase desde o princípio deste processo.

Dificilmente Portugal, que tem duas das 33 agências descentralizadas europeias – ainda que pequenas –, poderia ter mais uma, ainda por cima uma tão importante como a AEM. Além disso, e com toda a sinceridade – não vou dizer que sou do Porto ou nutro qualquer preferência pela Invicta, apesar de muito a apreciar –, Portugal só teria tido possibilidades numa “corrida” tão competitiva, se apresentasse aquele que é, hoje por hoje, o seu melhor trunfo: Lisboa. E mesmo assim ia ser difícil.

Não se trata de centralismo, mas de realismo.

Uma palavra final para o processo do Brexit, que se arrasta penosamente, e com ele o pouco de credibilidade política que resta a Theresa May. Ah, se os líderes britânicos, a começar por David Cameron, pudessem voltar atrás, aposto, dobrado contra singelo, que o fariam.

Dezembro é o mês decisivo para saber se começa a segunda fase das negociações ou se a discussão sobre quanto deve o Reino Unido pagar como compensação pela saída se eterniza.

A incerteza parece, cada vez mais, governar o mundo. E é só quando não há surpresas que nos surpreendemos…

Oh Mein Gott.