De uma forma geral, é correto afirmar que o Orçamento do Estado para 2018 se caracteriza por alguma estabilidade fiscal. De um ponto de vista macro e estrutural este Orçamento não traz, de facto, alterações relevantes ao sistema fiscal português. É certo que tal também não seria expectável, considerando que nos últimos anos tivemos a reforma do IRC e do IRS, a introdução do novo Código Fiscal ao Investimento e a revisão de muitos outros códigos e regimes.

Dito isto, a necessidade de receita, nomeadamente para sustentar algumas das medidas fiscais e não fiscais que são propostas no Orçamento, leva a que se façam algumas alterações “ad hoc”, umas mais previsíveis do que outras, que contribuirão seguramente para que investidores nacionais e internacionais mantenham o sentimento de que o regime fiscal português pode ser alterado a qualquer momento, sem a tal imprescindível garantia de estabilidade.

Veja-se, por exemplo, o novo incremento da derrama estadual para empresas com lucro tributável superior a 35 milhões de euros. A derrama estadual foi criada em 2010 e esta será, salvo erro, a quinta alteração efetuada ao regime desde então. À taxa inicial de 2,5% a partir de dois milhões de euros de lucro tributável, seguiu-se a criação de dois escalões, com uma taxa de 3% a partir de 1,5 milhões de euros de lucro tributável e de 5% a partir de 10 milhões de euros. Um ano depois, a taxa de 5% passou a ser aplicada logo a partir dos 7,5 milhões de euros de lucro tributável. Posteriormente, cria-se uma nova taxa de 7% a aplicar às empresas com lucro tributável superior a 35 milhões de euros. É esta taxa que agora se propõe que passe para 9%.

Não há razões de justiça fiscal que possam já justificar este incremento de tributação para as empresas que a ele serão sujeitas. Não existe outra justificação que não seja a necessidade de receita. Imagine-se um investidor que fez em 2010 um plano de negócios para uma empresa que gera um lucro tributável de 40 milhões de euros. Em oito anos, a derrama estadual aplicável a essa empresa passa de 2,5% para 9%, impactando de forma muito relevante aquilo que é a tributação efetiva em sede de IRC. E isto causa e aprofunda, obviamente, um sentimento de imprevisibilidade face ao sistema fiscal português.

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Sabe-se que a fiscalidade é um dos fatores mais penalizadores para Portugal na captação de investimento e que também impacta a manutenção desse mesmo investimento. Dito isto, parece ser pouco ou nada ponderada a importância destas empresas de maior dimensão na criação de emprego, nas exportações, no aumento do produto interno, etc.

O mesmo se diga do Regime dos Não Residentes Habituais. Um regime também relativamente recente, já por si com grandes necessidades de clarificação, ao qual este orçamento traz mais uma alteração. De acordo com a proposta de Orçamento, deixarão de qualificar como mais-valias isentas as relativas à alienação de partes de capital em sociedades não residentes cujo ativo seja composto principalmente por imóveis sitos em Portugal.

Nesta matéria, como nota positiva, o alargamento do âmbito de aplicação do regime da Remuneração Convencional do Capital, tornando-se aplicável às entradas em espécie correspondentes à conversão de quaisquer créditos, e do regime da Dedução por Lucros Retidos e Reinvestidos cujo montante máximo a que o benefício pode ser aplicado passa para sete milhões e quinhentos mil euros e o prazo para reinvestimento dos lucros passa para três anos. Ainda que benefícios algo limitados no seu impacto, não deixam de ser meritórios.

Mas, para além dos investidores propriamente ditos, todos os sujeitos passivos em geral necessitam e apreciam algum nível de previsibilidade naquilo que concerne à tributação dos seus rendimentos.

Não é criticável em si mesmo o alívio fiscal para alguns dos escalões do IRS. Contudo, o imposto mantém uma híper-progressividade inaceitável. Isto significa que um incremento dos rendimentos é sempre acompanhado por uma percentagem de aumento no valor dos impostos devidos muito superior. A título de exemplo, dependendo dos valores em questão e dos escalões aplicáveis, o rendimento pode duplicar e a fatura fiscal correspondente quintuplicar. Dificilmente se pode encontrar algum argumento de justiça fiscal que suporte este nível de híper progressividade, que não encontra comparável em mais nenhum país da Europa. No entanto, sobre este tema não tem existido uma discussão séria, nem qualquer atuação no sentido da sua atenuação.

Adicionalmente, e ainda no que ao IRS concerne, este Orçamento traz de forma subtil o anúncio da morte do regime simplificado para os sujeitos passivos de IRS. A forma como a alteração é proposta faz com que seja difícil antecipar o impacto desta medida, mas será sem dúvida muito significativo para a grande maioria dos emitentes de recibos verdes. Note-se que, na sua maioria, estaremos a falar de pessoas que, apesar de estarem nos escalões do IRS objeto do referido “alívio fiscal”, terão um incremento do imposto a pagar já relativamente a 2018, o qual poderá ser muito material na grande maioria das situações. Apesar do estilo “en passant” com que o tema tem sido tratado desde que se conhece a proposta de Orçamento, diria que esta será a alteração com um impacto mais gravoso num maior número de sujeitos passivos.

De acordo com as simulações efectuadas pela PwC, um sujeito passivo, solteiro e sem filhos, com um rendimento bruto anual de 15.000 euros (correspondente a uma média de 1.250 euros brutos mensais e inexistência de faturas profissionais no e-factura) terá um aumento de IRS de 870 euros. Para um rendimento de 35.000 euros, nas mesmas condições, o aumento de IRS será de 2.782 euros. O mesmo contribuinte, mas com facturas profissionais no e-factura no montante de 6.000 euros, terá um aumento de IRS de 1.263 euros para um rendimento anual bruto de 35.000 euros e um aumento de IRS de 5.718 euros para um rendimento bruto de 80.000 euros. Dificilmente se conseguirá, assim, vislumbrar qualquer alívio fiscal. Acrescerá ainda toda a complexidade da alteração proposta (com a necessidade de controlo do e-factura, por forma a cruzar com o valor que a Autoridade Tributária indicará de despesas profissionais elegíveis) que gerará, com certeza, muita incerteza e litigância.

Estas parecem ser as alterações mais impactantes da proposta de Orçamento do Estado para 2018. São, infelizmente, exemplos que colocam uma grande distância, na perceção dos investidores e dos sujeitos passivos em geral, entre Portugal e outros países da Europa como a Holanda, a Bélgica ou o Luxemburgo. A fiscalidade no geral, mas em particular em algumas matérias, tem que ter alguma natureza contratual, de pacto, entre um Estado e aqueles que nele residem e que nele investem. O desrespeito por esse pacto coloca em causa o nível de previsibilidade que nesta matéria as empresas e os indivíduos desejam e necessitam para uma boa gestão dos seus negócios e das suas vidas. Se não avançarmos para uma cultura de respeito nesta matéria, em que as quebras dos pactos (porque, por vezes, terão que acontecer) são explicadas de forma clara e racional, com o reconhecimento de que há expectativas que estão a ser contrariadas, e não encobertas no que parecem ser medidas mais ou menos aleatórias, Portugal dificilmente conseguirá atingir um estatuto de país com estabilidade fiscal. Há ainda um longo caminho a percorrer.

Maria Antónia Torres é Partner da PwC