Boa parte da fama da filosofia portuguesa deve-se à teoria dos presuntos implicados. Esta teoria, que constitui um ramo da metafísica modal, afirma que não há diferença entre o que pode acontecer e o aquilo que acontece, ou aconteceu. Tome-se o caso das coisas que fazemos, ou acções humanas: segundo a teoria, a nossa implicação nas acções que podemos cometer mas ainda não cometemos é de espécie presunta: todos somos presuntos implicados. Que quer isto dizer na prática?

O instrumento mais comum da teoria dos presuntos implicados são as estatísticas; e o seu modo de raciocínio é a probabilidade. A probabilidade determina um tipo de implicação presunta. Para calcular a probabilidade de uma implicação, e a sua natureza presunta, basta saber um pouco de matemática, mas sobretudo muito de ciências sociais (as ciências sociais consistem em atribuir probabilidade alta àquilo que queremos que aconteça). Há um problema com o raciocínio que no entanto não é matemático. De facto o futuro não costuma estar implicado, a não ser de modo muito trivial e vago, no passado. É, como defenderam alguns filósofos estrangeiros, Intrinsecamente Ladino.

Um exemplo da teoria dos presuntos implicados é representado pelo conceito fiscal português: ‘pagamento por conta.’ O conceito tem dois fins. É usado para estipular que, para efeitos fiscais, na vida tudo se repete, e o futuro será sempre igual ao passado; podendo assim ser presunto que os nossos rendimentos do ano n+1 serão idênticos aos do ano n. Este uso tem todavia um inconveniente: não explica que todos os anos aconteçam algumas coisas que ainda não tinham acontecido até aí. Será afinal o futuro intrinsecamente ladino? A dúvida suscitou a invenção de um segundo princípio fiscal e político, que estabelece que o futuro excede necessariamente o passado em prosperidade. Dada a ausência ou modéstia de rendimentos de um ano n, é presunto pelo segundo princípio que teremos necessariamente rendimentos úberes no ano n+1.

Ambos os princípios requerem que o contribuinte prove à autoridade tributária que certas coisas não lhe irão acontecer; mas para a autoridade tributária basta que possam. São colóquios que exigem um talento filosófico que a maioria dos contribuintes não tem. Por outro lado, embora os dois princípios sejam contraditórios entre si, exprimem a ideia comum de que os impostos devem ser pagos antes de haver uma causa para o fazer.

A ideia parece a alguns inconsistente: como resolver a questão? Os impostos fazem naturalmente arranjo a quem os recebe; não ocorrerá a ninguém não os pagar pontualmente. O único remédio para a inconsistência destas teorias é o de alargar (por via legislativa) a aplicação da teoria presunta. Deverá assim ser requerido por lei que os demais contribuintes nos adiantem aquilo que é presunto que iremos ganhar em cada ano n+1. Obteremos deste modo rendimentos por conta para, de modo já metafisicamente consistente, poder pagar os nossos impostos por conta.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR