Os primeiros seis meses de um governo não permitem grandes balanços sobre as medidas tomadas. É verdade que desde a tomada de posse, o desemprego subiu, o crescimento económico caiu, o aumento das exportações evaporou-se, o défice aumentou, os problemas na banca não foram estancados e por aí fora. Tudo isto podia dar um gráficos impressivos para fazer circular nas redes sociais, mostrando “quantos anos recuámos” nestes seis meses em alguns indicadores. Mas, honestamente, isso serviria de pouco para além de alimentar o debate partidário mais básico, ao nível das claques de clube de futebol.

Era bom, muito melhor, que a generalidade dos indicadores económicos estivesse numa tendência inversa à que apresenta. Mas mais do que permitir demostrar já o que quer que seja, a sua importância está muito mais no lastro que eles vão deixando para os próximos seis meses. E para os seis que se seguem.

Nesse sentido, as opções já tomadas pelo governo de António Costa ameaçam tornar-se a sua maior dificuldade a prazo.

O exercício que se perspectiva para as contas públicas é hoje muito mais exigente do que se antecipava há seis ou doze meses. A conjuntura piorou e não dá sinais de poder inverter a tendência de forma rápida e consistente para ajudar as receitas e as despesas do Estado sem recurso a medidas adicionais. O discurso do “acreditamos que não vão ser necessárias mais medidas” pode ir servindo nestes primeiros meses para entreter a plateia. Mas a seu tempo seremos confrontados com uma realidade que hoje só é uma forte hipótese. Por vezes, os milagres acontecem mas é bom que não se conte com eles numa qualquer linha do Excel.

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Uma coisa nós sabemos: qualquer medida adicional que venha a ser necessária para corrigir a evolução de um défice que derrapa será sempre um revés político para um governo que nunca disse que faria o que fosse necessário para cumprir as metas com que se comprometeu.

Governar tem uma forte componente de gestão de expectativas. Estas podem ter influência no comportamento dos agentes económicos mas comprometem também os graus de liberdade da acção governativa.

O que sabemos é que o governo prometeu muita coisa a muita gente, que a todos garantiu um “tempo novo” e que deu sinais de um facilitismo totalmente imprudente para tempos que são mais velhos do que novos. E nestas questões não há recuos.

O jeito que fariam agora as centenas de milhões de receita que o Estado vai perder com a descida do IVA na restauração, em vigor a partir de Julho. A medida estava assimilada e o seu ónus político era do anterior governo. Esperar benefícios para além da margem de lucro de cada empresário do sector é tão irreal como as vacas que voam de António Costa.

A reposição de feriados foi outra medida desnecessária. Foi sobretudo simbólica, para marcar a diferença com o anterior governo que, alegadamente, “gostava da austeridade pela austeridade”. Mas a governação também é feita de simbolismos e estes, muitas vezes, dizem mais às pessoas do que estudos, livros brancos e medidas complexas com grande impacto na economia e na sociedade. Quatro feriados em 365 dias do ano não são nada disto, obviamente. Mas num país que tem um défice de produção – e também de produtividade, mas aqui o impacto é mais no produto do que na eficiência – aumentar os dias de paragem do trabalho e fazer disso uma prioridade envia a mensagem errada que já podemos voltar aos bons velhos tempos. Mas não podemos, como se está a ver.

Na mesma linha, temos o regresso às 35 horas de trabalho semanal para os funcionários do Estado que viram o horário regular aumentado para 40 horas. Aqui, haverá certamente um impacto orçamental, com mais despesa em horas extraordinárias, mais funcionários ou mais recurso a serviços externos. É impossível que assim não seja, a menos que a produtividade na função pública seja tão baixa que permita um corte de 12,5% no tempo de trabalho mantendo o mesmo nível de produção. Mas não é isso que os sindicatos dizem.

É surreal, em cima desta medida, que se planeiem medidas de compensação para os trabalhadores que possam aceder às 35 horas mais tarde no tempo – o que, só por si, demonstra que a medida tem custos, doutra forma poderia entrar em vigor para todos ao mesmo tempo.

Mais depressa António Costa coloca uma manada de vacas em órbita do que consegue que esta medida não custe um cêntimo aos contribuintes, como ainda esta sexta-feira reafirmou no Parlamento.

Não está em causa a justiça intrínseca de cada uma destas medidas. Sim, os impostos devem baixar – e não só nos restaurantes e cafés. Sim, não vem mal ao mundo se tivermos os feriados do pré-troika – já agora com possibilidade de alguns deles serem “encostados” a fins-de-semana para evitar pontes como a destes dias. Sim, o caminho será cada vez mais termos menos horas de trabalho – e mais flexíveis no tempo e no espaço em que se fazem. Nem tudo o que é justo é possivel e muito menos ao mesmo tempo.

O problema é o momento, a emergência que ainda vivemos e os sinais errados que se dão à sociedade, bem como os custos que vamos ter que pagar num tempo que temos demasiados encargos para suportar para além das nossas possibilidades.

Jornalista, pauloferreira1967@gmail.com