Não falha. Sempre que um Papa viaja ao continente africano, surge a questão do preservativo. Desta vez, também a propósito do dia mundial conta a Sida, logo vieram comentários de que Francisco teria ficado “nervoso” com a pergunta se a Igreja não devia mudar a sua posição quanto ao uso do preservativo. Mas, cada um ao seu estilo, os Papas respondem o mesmo: a questão não é a do preservativo; é a do modo de viver a sexualidade e a vida em geral: “Não estejamos a questionar-nos se se pode usar este penso ou outro para uma pequena ferida. A grande ferida é a injustiça social, a injustiça ao meio ambiente, a referida injustiça da exploração e a desnutrição. Este é o problema. Não gosto de descer a reflexões de casuística, quando as pessoas morrem por falta de água e à fome, por causa do habitat…” (Papa Francisco).

Comecemos pelo início. O casamento cristão não é simplesmente a celebração do amor entre os dois cônjuges; é a constituição de uma família. Claro que a Igreja respeita a decisão de duas pessoas se unirem em casamento porque se amam, sem o desejo de ter filhos. Mas este não é o matrimónio cristão. O matrimónio cristão tem como condição de validade a fecundidade: gerar vida nova, ter filhos.

Ora, neste contexto, a discussão da contracepção artificial é levantada por muitos casais cristãos. Para alguns, este já nem é um assunto, e não falta quem considere esta conversa ridícula. Mas não é assim para muitos. Há os que, desejando viver de acordo com a doutrina da Igreja, questionam se o princípio geral de estar aberto à vida, com o qual concordam, deve necessariamente ser aplicável a todas as relações sexuais. Um casal cujo estilo de vida e modo de proceder é fecundo, através de dar filhos à luz e através de muitos outros modos de ser fecundo no mundo, pode perguntar-se se o princípio de paternidade responsável defendido no Concílio Vaticano II não abre aqui lugar a uma decisão do foro interno da consciência do casal. É legítimo manter esta questão, até porque, se se questiona, quer dizer que se deseja não só viver subjetivamente a fé, mas vivê-la em conformidade com as orientações da Igreja.

Outra questão radicalmente diferente é a que surge nas visitas papais a África. Sendo aí a Sida uma das grandes causas de mortalidade, e sendo uma doença sexualmente transmissível, não deveria a Igreja alterar a sua orientação quanto ao uso do preservativo? As reações papais apontam sempre para uma resposta global e aberta, revelando a pequenez de horizonte da pergunta.

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O preservativo não resolve a questão da Sida. A resposta também não é a do celibato como alguns afirmam, procurando ridicularizar a Igreja. O que a Igreja defende é que a relação sexual, sendo uma exposição máxima do sujeito e a expressão de uma intimidade profunda ao nível do corpo, ela deveria também sê-lo ao nível de toda a pessoa. Quer dizer, defende que a relação sexual tem todo o sentido dentro de uma relação de compromisso que envolva as duas pessoas. É uma expressão de amor, que se esvazia nos casos em que o amor comprometido está ausente. O nível de intimidade que é manifestado através do corpo numa relação sexual corresponde idealmente a uma intimidade existente a todos os níveis entre essas duas pessoas. Relações sexuais com diferentes parceiros, sem qualquer relação pessoal que as enquadre e contextualize são, no mínimo, imaturas. Uma sexualidade responsável e comprometida é o ideal defendido pela Igreja.

Esta posição veicula uma moral concreta para os cristãos. Claro que pode ser discutível, e até inaceitável, concretamente para quem não adere à doutrina da Igreja. Mas a defesa de que se tenha um parceiro sexual em vez de vários, e de uma vivência da sexualidade enquadrada no cômputo geral da vida e da relação de amor, é mais humana e humanizante do que o contrário. Por isso, quando os Papas afirmam que o preservativo não resolve o problema da Sida, estão a alertar para a verdadeira fonte do problema. Essa é uma sexualidade vivida de forma descomprometida e irresponsável. O que a moral da Igreja defende é a educação para uma sexualidade responsável. E o que a moral cristã definitivamente não apoia é o facilitismo do uso do preservativo como bandeira do “vai com quem te apetecer”.

Agora, alguém que não partilhe desta visão da sexualidade e defenda que a prática sexual pode ser vivida fora de uma relação de compromisso, com diferentes parceiros, a essas pessoas este discurso não se aplica. São muitos os que pensam que, desde que ambos sejam adultos e saibam o que querem, a prática sexual faz sentido, mesmo que nem sequer se conheçam. A moral cristã não se revê absolutamente nesta concepção da sexualidade. Mas, nestes casos, claro que a questão não é se se pode ou não usar preservativo. O uso do preservativo aqui é um dever! Mais, deve assegurar-se o uso de preservativos de boa qualidade, precavendo-se contra toda a falsa publicidade do “sexo 100% seguro”. Esta posição permitia já o Papa Bento XVI afirmar que “pode haver casos pontuais, justificados, como por exemplo a utilização do preservativo por um prostituto, em que a utilização do preservativo possa ser um primeiro passo para a moralização, uma primeira parcela de responsabilidade para voltar a desenvolver a consciência de que nem tudo é permitido e que não se pode fazer tudo o que se quer. Não é, contudo, a forma apropriada para controlar o mal causado pela infecção por HIV. Essa tem, realmente, de residir na humanização da sexualidade.”

Padre Jesuíta