No afã frenético da autopromoção em que o nosso ministro da Saúde vai vivendo, bem na linha de outras destacadas figuras da política lusa, há momentos recentes que tocam a raia do ridículo, para não usar outra denominação. Logo para abrir, o anúncio ministerial de um sucesso clínico que nunca lhe poderia ser imputado – a implantação de um coração artificial in vivo –, ainda mais se nos lembrarmos que, apesar de ser licenciado em Medicina, está afastado das lides e do conhecimento da clínica há muitas décadas.

Depois, há aquele ponto sublime de desvirtuação da análise quando afirma que 2016 foi o “ponto de viragem do SNS”. Seguidamente, insistiu na ideia de que as taxas moderadoras eram entrave ao acesso – esquecendo-se de que as não eliminou e de que estas foram introduzidas por um destacado socialista –, sem que não exista nenhuma evidência que comprove esta tese e até existam estudos que sugerem, enfaticamente, o contrário.

Se houve ponto de viragem, foi no acumular de dívidas dos hospitais do SNS, nos atrasos de pagamentos, nas faltas de medicamentos que obrigaram os doentes a recorrer mais vezes a consultas para levantarem prescrições racionadas, nos atrasos na obtenção de exames de imagem, no crescimento da despesa com tarefeiros – ao contrário do que tinha prometido –, no aumento da procura de serviços de urgência – também falhando um objectivo expresso do ministro –, na menor abertura de USF do que em anos anteriores, nos concursos para vagas de médicos quer ficaram desertos, na ausência de informação atempada sobre a evolução do programa de combate às listas de espera cirúrgicas, nas dificuldades diárias dos profissionais que lidam com sistemas informáticos mal concebidos e computadores obsoletos.

Já escrevi que este Ministério tem feito quase tudo o que poderia ser feito com os escassos recursos disponíveis. Mas, convenhamos, não era preciso manipular ainda mais a verdade quando as pressões corporativas estão a apertar.

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Pois é. Anunciou-se o fim da austeridade, eliminou-se velozmente o corte salarial da função pública, reduziu-se o horário de trabalho para 35 horas, reduziram-se os escassos proveitos do SNS, aumentou-se a despesa com medicamentos. Tudo muito simpático, se calhar necessário. Só que, como disse o máximo responsável político pela saúde, “é irresponsável qualquer governante prometer tudo a todos ao mesmo tempo”.

Preso na trama que criou, com expectativas que o seu chefe vai empolando, está agora no centro do ir…real e da ir…responsabilidade que vai ter de negociar com enfermeiros e médicos a quem prometeu repor, com toda a justiça e em coerência com o propalado fim da austeridade, o pagamento integral do valor da hora extraordinária.

Por um lado, “esqueceu-se”, o ministro, de que não devia prometer o que não poderia cumprir, por outro, esqueceram-se, os profissionais, de que entre a Lei do Orçamento e o Decreto de Execução Orçamental vai o diabo dos detalhes. No fundo, os profissionais, “para lá da Troika” de que os livrámos, foram sujeitos a mais uma cativação, embora só para alguns. É caso para dizer que até no combate às desigualdades na Saúde o ministério está falhar.

Ex-ministro da Saúde