Sabemos que Shakespeare cunhou muitas palavras novas, mas não temos a noção de quantas inventou. Harold Bloom, ensaísta e crítico literário norte-americano, cita quem fez as contas e garante que Shakespeare usou mais de 21 mil palavras. E esclarece que, em cada doze, inventou uma. Nesta lógica, ao todo Shakespeare terá inventado cerca de mil e oitocentas novas palavras, que são agora de uso comum. Fascinante.

Em Génio, Bloom fala do “grande banquete da língua shakespeareana” e chega a comparar o seu universo de palavras com o de Racine, um dos maiores dramaturgos clássicos franceses, que terá usado apenas duas mil em toda a sua obra. Ou seja, poucas mais do que as que Shakespeare inventou! Prodigiosos, um e outro.

No ano que assinala os 400 anos da morte de Shakespeare, muita coisa acontece no mundo e muita novidade narrativa se acrescenta ao universo das artes em homenagem a um dos autores mais extraordinários de sempre. Em Portugal, começa já esta semana a 7.ª digressão da Orquestra XXI que, desta vez, liga os músicos e os espectadores às palavras de Shakespeare. De 1 a 4 de Setembro, o maestro Dinis Sousa e os seus músicos vão centrar-se no Sonho de Uma Noite de Verão através da peça musical que Mendelssohn escreveu para acompanhar a peça teatral.

Pela primeira vez na sua curta-longa história, a Orquestra XXI vai alargar a um grupo de seis cantores que vão interpretar as Fadas de Shakespeare (para quem Mendelssohn, outro génio, escreveu duas canções) e, também pela primeira vez, vai combinar teatro e música e, de certa forma, inverter o conceito de incidental music para incidental theatre. Ou seja, apresentar uma espécie de concerto musical com teatro acidental.

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O actor Ricardo Pereira, a viver e a trabalhar fora há vários anos, vai estar em palco a dizer fragmentos de Sonho de Uma Noite de Verão. Tudo isto acontecerá em Braga, Porto, Coimbra e Lisboa, pois a vocação da Orquestra XXI é reunir e apresentar em diferentes palcos portugueses alguns dos melhores músicos da nossa diáspora.

Desta vez estarão cerca de 60 músicos on the road, e os concertos serão uma espécie de combinação do melhor de vários mundos. Dois génios interpretados por jovens músicos e um actor. O génio de Shakespeare e o génio de Felix Mendelssohn, que começou a escrever a abertura para o Sonho de Uma Noite de Verão quando tinha apenas 17 anos, mas só concluiu a peça muitos anos mais tarde, por encomenda do Rei da Prússia, para uma produção em Potsdam em 1843.

Tudo isto revela uma enorme alegria e uma grande vitalidade de quem organiza, de quem acolhe e, já agora, de quem assiste e aposta na qualidade das novas gerações. E, mais, mostra abertura de espírito e liberdade relativamente a todas e quaisquer capelinhas artísticas e culturais, pois a Orquestra XXI rasga a paisagem e rompe com todos os rótulos e catalogações possíveis. Criada por Dinis Sousa, maestro a viver fora de Portugal, reúne apenas músicos portugueses (entre eles muitíssimas rising stars!) e pretende revelar o que de melhor existe dentro e fora do país.

Nós, portugueses, habituamo-nos à ideia de que brilhamos sempre mais lá fora do que cá dentro, mas na verdade o histórico das primeiras seis digressões da Orquestra XXI prova exactamente o contrário. Salas esgotadas e concertos a transbordar de gente, plateias de pé a aplaudir e críticos a reconhecerem o talento dos jovens músicos. Apetecia que houvesse muito mais orquestras destas, para integrarem todos os bons músicos que vivem e trabalham dentro de Portugal, é certo, mas a Orquestra XXI já é um grande princípio.

Não vou poder assistir a nenhum destes concertos por estar fora do país, mas aposto que será mais uma sucessão de momentos felizes em que todos os músicos da orquestra voltam a brilhar. Como diz o próprio maestro, “de instrumento em instrumento”, cada músico terá o seu momento em palco. E é também por isso que gosto tanto desta orquestra e do seu maestro. Por serem músicos extraordinários, que revelam o melhor da música, mas também pelo espírito de equipa que existe entre todos os que se juntam nestas digressões para tocarem em palcos nacionais.

Voltando a Shakespeare e às palavras que inventou, que prazer imenso poder conjugar a excelência da sua linguagem com a genialidade de Mendelssohn e tudo isso se fazer em português de Portugal, pois graças à tradução de Maria João Afonso essa vai ser a língua usada nos concertos pelas cantoras e pelo actor.