As próximas eleições autárquicas constituem mais um desafio na longa carreira política de Pedro Passos Coelho. Um desafio que, mesmo para vozes do seu partido, é visto como derradeiro, tal a certeza da hecatombe eleitoral que se irá abater sobre o PSD.

Convirá, no entanto, levar em linha de conta que essas e outras vozes já tinham prognosticado o fim político de Pedro Passos Coelho aquando da campanha eleitoral para as legislativas de 2015. Nessa altura, os portugueses ainda sentiam nos bolsos a dureza das medidas propostas pela troika e exponenciadas pelo Governo liderado por Passos Coelho. Parecia, por isso, que a vitória não escaparia ao principal partido da oposição, o PS dirigido por António Costa depois de ter derrubado António José Seguro, o líder que tinha vencido «por poucochinho» as autárquicas de 2013 e as europeias de 2014. Duas eleições perdidas por Passos Coelho, mas que o PS não conseguiu capitalizar. A memória da governação socrática ainda estava fresca.

Porém, contra a generalidade das expectativas e das sondagens, a PaF, coligação pré-eleitoral do PSD e do CDS-PP, derrotou António Costa e Passos Coelho formou o XX Governo Constitucional. Um executivo de vida curta devido à maioria relativa de que dispunha na Assembleia da República.

Um Governo atropelado por uma geringonça conduzida por António Costa e empurrada por três partidos populistas: Bloco de Esquerda, Partido Comunista Português e o seu aliado Partido Ecologista os Verdes. Uma solução governativa assente numa maioria absoluta no Parlamento. Uma novidade no cenário político português justificada pelo facto de o primeiro-ministro ser “responsável perante o Presidente da República e, no âmbito da responsabilidade política do Governo, perante a Assembleia da República”. Uma engenhoca contranatura para os apoiantes do PSD e do CDS-PP, mas também para alguns socialistas que não têm memória curta e, por isso, não esquecem as grandes lutas do PS de Mário Soares. Primeiro, para evitar a instauração de um regime comunista em Portugal. Depois para assegurar a integração europeia vista pelo PCP como um perigo.

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Uma geringonça a que Cavaco Silva concedeu licença sem disfarçar o incómodo, muito ao contrário do que viria a fazer o Presidente Rebelo de Sousa, e a que Passos Coelho demorou a habituar-se. Por isso, manteve na lapela a bandeira que simboliza a pertença ao Governo. Daí ter privilegiado as queixas relativamente à atuação do Governo de António Costa. Uma forma revoltada de reclamar o cargo a que se julgava com direito, em vez de assumir por inteiro o papel de líder da oposição.

Uma estratégia que sossegou o PS e fez aumentar a intensidade das críticas internas no PSD, tanto mais que a escolha dos candidatos para um número significativo de câmaras municipais não foi de molde a acalmar as hostes sociais-democratas. Basta lembrar os casos de Lisboa, a montra do Poder, onde Medina não tinha obra que assegurasse à partida a vitória, e do Porto, a cidade capital da região-barómetro da vida empresarial do país.

Um processo de que figuras de primeira linha do partido se afastaram e que obrigou o PSD a apoiar candidatos que, nas autárquicas de 2013, uma vez preteridos, tinham optado por concorrer contra o partido. Nessa altura, os resultados eleitorais do PSD representaram uma grande descida face às autárquicas de 2009, com a perda de cinco dos dez maiores municípios, de cinco das dez capitais de distrito e de sete das onze câmaras da Madeira que governava.

O PSD perdeu, mas Passos Coelho manteve-se fiel à linha traçada e à expressão «que se lixem as eleições». Uma frase que, na conjuntura atual, não convirá repetir se quiser contrariar os prognósticos agoirentos dos que já preparam, em surdina, a sua sucessão.

Um tiro que lhes pode sair pela culatra devido, em primeiro lugar, ao peso crescente dos grupos de cidadãos eleitores. Uma importância materializada em 13 presidências de câmara, 112 eleitos para as câmaras municipais, 352 lugares na assembleia municipal, 2978 mandatos na assembleia de freguesia e 342 presidentes de junta.

É a vitalidade destes grupos que poderá servir como um dos dois escudos protetores a Passos Coelho e impedir uma vitória expressiva do PS. O apoio socialista a grupos de cidadãos eleitores não será capitalizado como vitória socialista, como se viu no caso do Porto onde Rui Moreira recusou partilhar o seu provável triunfo com o PS, apesar do volte-face costista no que concerne à candidatura da Agência Europeia do Medicamento.

Quanto à outra proteção, decorre da implantação do PSD no interior, sobretudo a Norte do Tejo. Um Norte que talvez permita ao partido laranja não perder o norte. Um mundo onde a figura do candidato local vale mais do que a imagem do líder nacional. Por isso, a campanha centrada no partido dá lugar a uma campanha personalizada assente nos méritos do candidato e, se possível, na obra feita.

Um interior desertificado e onde, não raras vezes, a autarquia se assume como o maior empregador e o principal dinamizador da vida social. Uma política de proximidade, temperada com a consequente pitada q.b. de caciquismo. Uma almofada reforçada por mais de uma centena de coligações pré-eleitorais passíveis de amortecer a queda.

Face ao quadro traçado, é bem possível que, na noite de 1 de outubro, Passos Coelho possa cantar o I will survive. Sem os agudos de Gloria Gaynor. Com a sua voz de barítono. Uma extensão vocal grave. Em consonância com a desunião orgânica do partido a que preside.

Professor de ciência política