1. Ao contrário de muito boa gente não espero gestos grandiloquentes do Presidente da República nem vi no seu célebre discurso senão a resposta que se impunha aos trágicos fogos, à trágica irresponsabilidade do Executivo, à trágica desproteção dos portugueses. Tardou o discurso, já aqui o escrevi. Tinham já passado quatro meses sobre a primeira tragédia não havia conclusões nem decisões, o verão continuava escaldante, sabia-se que as temperaturas subiriam ainda mais. Ou seja, não bastavam avisos presidenciais, a letargia do Governo reclamaria artilharia mais pesada. Por qualquer razão que só a idiossincrasia de Marcelo pode explicar, não houve artilharia, houve frases. Vãs, aliás. Veio a segunda tragédia, veio o discurso, mas não sei se mais vale tarde que nunca — o timming não foi inocente –, sei que logo se exorbitou sobre o seu conteúdo. E no entanto de Belém não virão sobressaltos. Tudo menos aventuras duvidosas, gestos de desfecho incerto, jogadas sem rede por debaixo do trapézio. Não, a vida continua.

Quer isto dizer que o Presidente está contente, descansado, confiando na navegação e no timoneiro? Não, de todo. Só quem, a propósito do primeiro-ministro, não ouviu aquela do “optimista irritante”, um disparo sibilino carregado de significado político e exigindo mais que uma trivial leitura política, pode achar que no céu das instituições está tudo como Deus com os anjos. Não está e já não estava. Sucede — e aqui entra a idiossincrasia presidencial — que mesmo quando discorda, Marcelo prefere o elogiozinho apesar de falso, o abraço mesmo que televisivo, a (suposta) “estabilidade” à confrontação. A discórdia não lhe está a jeito, exibir públicos desacordos também não. Discursou para tranquilizar o país de quem precisa, mais do que para ralhar a Costa de quem não precisa. E além disso, não é verdade?, falta a segunda parte desta história: falta uma alternativa política pura e dura á direita, que não se antecipa, nem se vê. A insegurança face a uma brusca ruptura política e o medo de ter de lidar com ela, recomendam ao Presidente o que ele já está a fazer: aumentar o tom de voz com o Governo – mas só o tom de voz — e aguardar que passem dois anos. Entretanto vai dando abraços, coisa que faz como ninguém, vai distraindo os (seus) votantes e muito o entretém a ele.

2. A palavra despesa devia dar choque aos socialistas mas não dá. Que desse ao menos um estremeção aos autores do Orçamento do Estado, mas não. A ideia de despesa não os aflige e nunca os envergonhou. Lidam com ela com uma desenvoltura que não é de hoje, está inscrita no ADN socialista e escrita na história das governações que eles cometeram no país – digo bem, cometeram — deixando um rasto de divida e deficit e os portugueses afogados nesse descontrolo.

Embora o governo nos queira atordoar com boas noticias na frente económica — e assim pretensamente nos aliviando de receios infundados –, a factura socialista é visível a olho nu: a conta não pode deixar de aterrar aí com estrondo. A natureza da despesa, porém, na sua irresponsabilidade é mais penosa que o costume: saldar o apoio cada vez mais voraz , cada vez mais caro, cada vez menos racional, das esquerdas a contas com os seus maus resultados eleitorais. Somando-se as parcelas da magnânima generosidade que António Costa se viu obrigado a assinar de cruz é fácil de antever, mais ano, menos ano, um novo ciclo de desgraça na desafortunada história das nossas contas públicas. Basta haver o sopro internacional de uma crise, um aluvião europeu, uma má surpresa para Portugal voltar a cair num buraco. Nada entre nós é sólido, nem pode, o país está falido. Mas que importância que o Estado engorde até rebentar e os privados rebentem também, asfixiados entre a carga fiscal e o serem os enteados desta história? Que importância gastar dinheiro se o ano de 2017 afogou o governo&parceiros&amigos num irremediável optimismo que lhes vetou o senso e o critério: não recomendaria este irrepetível intervalo de boas condições económicas e financeiras um melhor avisamento na escolha de prioridades e de destino para os gastos? Muito mais atenção ao mau funcionamento do sector da Saúde, muito maior cuidado no abuso das cativações?

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Por exemplo.

3. Sempre que o Sporting joga em casa, como ontem, há um ruidoso e populoso alarido aqui à volta. Garrafas de cerveja a perder de vista, roulottes com couratos e outras doçuras, a festa começa muito antes e estende-se muito depois. Deixando-nos habitualmente com o credo na boca com o medo de não entrar casa com o acesso bloqueado por indevido estacionamento. Mas há dias houve um brinde: que faria ali, bem em frente ao portão, um carro da policia? Pois bem, tal como outros, a policia arrumara o carro e abalara, apesar do visível dístico. Esperei e nada. Deixei um bilhete. Nada. Intrigada, deixei-me estar. Apareceram dois moçoilos fardados sossobrando grandes sacos plásticos com comida “Estavam com fome”, pararam o carro, foram abastecer-se.

Os papéis trocaram-se, o diálogo foi surrealista, ”mas os srs. guardas não viram que estão a impedir a entrada e saída de veículos desta casa e que isso é punível por lei por violar o código da estrada? “Tinham ido comprar comida e então?”. Pedi identificação, dados. Era “o Macedo, número tal….”, o outro emudecera. Mas “o Macedo”, mastigando o conteúdo do saco de plástico fugiu da trapalhada, carro fora, enquanto ingloriamente eu ia buscar o meu. A pé e longe: nestas noites, por aqui, há mais lagartos que um centímetro livre de espaço.

Quanto é que me teria custado esta história se ela tivesse ocorrido ao contrário? O reboque, a multa, a chatice, a espera?

4. Catalunha: farsa, opereta ou também tragédia?