Os sistemas de redes que atualmente comandam as principais funções de cada país estão tão concretizados na informática que qualquer ataque sério às suas infraestruturas põe imediatamente em causa o normal funcionamento de toda a sociedade: E, daí, os custos incalculáveis para as empresas e organismos públicos, bem como para o comum do cidadão que se vê privado de aceder a bens essenciais. Na verdade, hoje, os sistemas informáticos devem ser olhados pelos próprios países como potenciais alvos de ataques terroristas ou de potências beligerantes uma vez que, em termos de geoestratégia militar, são ativos que devem ter uma proteção idêntica àquela que é dada à soberania territorial de qualquer país.

Efetivamente, abordando o tema numa perspetiva de paz social e segurança interna, não é despiciente concluirmos que a estrutura básica de funcionamento de um país assenta na computação informática, seja ela de distribuição de bens essenciais, de energia, de sistemas de saúde, de sistemas de controlo de tráfego, de logística, de defesas militares, entre outras. O tema dos ataques informáticos, que neste caso em particular não é mais do que um falso pedido de resgate, funciona como história de cobertura para um crime de sabotagem e destruição de dados informáticos (como confirmam as últimas informações emitidas por diversas companhias de cibersegurança, como a F-Secure) e tem que ser inexoravelmente abordado numa perspetiva de segurança interna.

Numa abordagem mais privatística ou individual, o grau de vulnerabilidade aumenta exponencialmente consoante o menor investimento em segurança informática, não sendo também de afastar a problemática da utilização de software ilegal, pois neste particular não é possível aos utilizadores acederem às atualizações disponibilizadas pelas entidades que desenvolvem os sistemas operativos, que visam minimizar e protegê-los destes e outros ataques. Aliás, poderá não ser por acaso que a Ucrânia seja um dos países mais afetados, porquanto, de acordo com diversas publicações, tais como a Revulytics, é um dos 20 países onde existe mais software ilegal.

Contudo, e sem querermos entrar em teorias da conspiração, não podemos deixar de refletir sobre o atual conflito existente entre a Rússia e a Ucrânia, pois um ataque desta natureza, quando em grande escala, fragiliza qualquer país, podendo servir, também, para medir a sua capacidade de resiliência perante situações desta natureza. Se este cenário poderá ser verosímil para estes dois países, também não é menos válido para situações de conflito noutros pontos do globo, onde, de forma manifesta ou latente, já existem conflitos que põe frente a frente grandes potências económicas e militares. Por outro lado, não devemos deixar de refletir também no modus operandi do Daesh, que sempre enveredou por ataques terroristas cujo mote é o maior impacto possível com o mínimo de custo financeiro associado. Ora, os ataques informáticos, também eles têm associado um baixo custo e um enorme impacto, que se poderá encaixar igualmente na estratégia acima mencionada.

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Perante este quadro reflexivo, não podemos deixar de ter uma atitude séria, preocupada e responsável, quer ao nível do poder político, quer à sociedade em geral. O juízo de censurabilidade do cidadão e das instituições não podem menosprezar este fenómeno, invocando argumentos que se relacionem com a natureza incorpórea, transnacional e de anonimato virtual destes ataques. Assim como também não poderão servir de argumento para uma menor consciencialização social do fenómeno, dado que a primeira, e última, vítima destes ataques será sempre a sociedade civil à qual, num cenário extremo, serão coartados os benefícios dos avanços tecnológicos em que a inteligência artificial se antevê como um dos pilares fundamentais da organização social.

Presidente do Movimento Antipirataria na Internet (MAPiNET), e diretor-geral da GEDIPE (Associação para a Gestão Coletiva de Direitos de Autor e Produtores Cinematográficos e Audiovisuais) e responsável pelo programa de antipirataria nacional da FEVIP (Associação Portuguesa de Defesa de Obras Audiovisuais)

Paulo Santos