1. A democracia, é o melhor dos regimes que conhecemos, pois permite com regularidade periódica avaliar, de forma livre e mais ou menos justa, o desempenho dos líderes políticos e premiá-los ou puni-los eleitoralmente. Para tal são necessárias transparência e clareza nas promessas eleitorais para além de estabilidade política. Nesse sentido, sempre defendi a completude de mandatos democráticos como regra, pois só deste modo é possível essa avaliação. Porém, um dos problemas essenciais da política em democracia é que, mesmo com mandatos completos, os políticos não auferem os benefícios de certas políticas corretas que implementam nem sofrem os custos das políticas erradas que implementaram, posto que o tempo que medeia entre a adopção das políticas e os seus resultados excede o tempo de exercício do poder. Daqui resulta um défice de decisões estruturais em democracia e um excesso de políticas “curto-termistas”. Dos múltiplos exemplos abordo aqui dois: o problema da natalidade e o da segurança social.

2. É um dado consensual que em Portugal as taxas de fecundidade desejadas estão acima das reais, isto é, os filhos que nascem são em menor número do que o que as famílias desejariam caso não tivessem restrições de vária natureza. Este desfasamento, a manter-se, não apenas tem consequências na insatisfação das famílias como, a nível macro, tem consequências dramáticas no decréscimo da população portuguesa e na redução do seu potencial de crescimento nas próximas décadas, com as implicações conhecidas sobre o bem-estar das populações, sobre a sustentabilidade da segurança social, em particular, e do estado social em geral. Um bom diagnóstico das problemáticas da natalidade em Portugal foi agora editado em livro*. Como se perceberá desta obra, que resulta de uma conferência que juntou académicos e políticos, um bom diagnóstico é um passo importante para a identificação das soluções, mas são necessárias políticas públicas integradas, consistentes e duradouras com um objetivo claro para as implementar. No entanto é possível algum consenso político nestas matérias. A cultura política “adversarial”, que predomina, tende a enfatizar as divergências. Por exemplo, foi referido que o único consenso que existia (na anterior legislatura) era o da importância de colocar a natalidade na agenda política. Permito-me discordar. Se lermos atentamente o que disseram as (então) deputadas presentes (Mónica Ferro (PSD), Catarina Marcelino (PS), Paula Santos (PCP), Inês Teotónio Pereira (CDS) e Heloísa Apolónia (PEV)), podemos resumir algumas ideias essenciais em que parece existir largo consenso. As políticas públicas devem promover a natalidade desejada, que não se traduz apenas em aumentar a taxa de fecundidade, mas a qualidade de vida das crianças e famílias. As causas da quebra da natalidade são múltiplas: baixos rendimentos, elevado desemprego jovem e precariedade nos empregos, insuficiência e custo elevado dos equipamentos sociais de apoio à infância, dificuldade de compatibilizar trabalho com vida familiar, desigualdades de género que continuam a onerar em trabalho sobretudo as mães, etc. Termos um diagnóstico claro das causas do problema e um objetivo a atingir no médio prazo (digamos daqui a vinte anos), poderia constituir uma base para um compromisso político alargado. Obviamente que no terreno concreto das políticas públicas há, e é salutar que hajam, diferenças substanciais. Por exemplo, PSD e CDS defendiam, e continuam a defender, o quociente familiar em sede de IRS. Por seu lado PS, PCP, BE e PEV privilegiam o aumento da dedução à coleta por filho e o reforço do abono de família. Ambas as opções contribuem financeiramente para se ter mais filhos, mas têm impactos redistributivos diferentes, sendo as últimas mais direcionadas a famílias de menores rendimentos. Mesmo que as políticas públicas se alterem entre legislaturas, se se caminhar em direção a um objetivo claro, a democracia pode produzir resultados satisfatórios.

3. Outro tema que se debate como se tivesse efeitos imediatos, mas que obviamente tem efeitos a prazo é o de uma descida seletiva da TSU por parte das entidades patronais, apenas para os trabalhadores que recebem o salário mínimo, em compensação, muito parcial, desta subida. Aquilo que se devia estar a discutir era precisamente os efeitos de médio e longo prazo. Por exemplo saber que impacto terá essa descida da TSU nas suas pensões de reforma no futuro? Importa esclarecer que não tem impacto negativo, visto as pensões serem determinadas pela carreira contributiva onde são registadas as remunerações declaradas, ou seja, o novo salário mínimo. E que impacto terá na economia? Sobre isto as opiniões não são unânimes e variam não só ao longo do espetro político e económico, como dos parceiros sociais que são, em parte, os atores económicos. Temos um método institucional de responder a esta questão económica que é o da “concertação social” a par da “concertação política” parlamentar. Obviamente que a “concertação social” deverá sempre subordinar-se ao poder político, em última instância, parlamentar. O que está assim em causa, em primeiro lugar, é saber que papel deverá desempenhar a concertação social agora e no futuro. Defendo que deve ter um papel supletivo na decisão política – isto é reconheço valor em acordos que envolvam o governo e a maioria dos parceiros sociais – e esta é a perspetiva consagrada constitucionalmente (artº 92) que define o CES como “órgão de consulta e concertação no domínio das políticas económica e social.” Esta interpretação tem sido a dominante não apenas no PS como no PSD como nos lembra Silva Peneda (ex-ministro do PSD). Mas, dir-se-á, não parecer haver acordo político parlamentar para baixar a TSU, e que em caso de não alinhamento entre a deliberação da maioria política parlamentar e a da maioria na concertação social, deverá prevalecer a primeira. Sim, é verdade. A questão é que PSD sempre defendeu a descida da TSU paga pelas entidades patronais como nos lembra Marques Mendes. Existe, pois, alinhamento político e social. Um eventual voto contra esta proposta é assim puro tacticismo, oportunismo político e “curto-termismo”. Claro que o PCP, ao requerer a apreciação parlamentar do decreto-lei, que baixa a TSU, também não ajuda.

Discutir, numa perspetiva de longo prazo, a competitividade da economia portuguesa passaria por analisar como evoluem os salários e a produtividade. Economistas do think tank Breughel propuseram a criação em todos os países de uma entidade independente que faça essa avaliação. A ideia é boa apesar de não a subscrever totalmente. Porque não alargar as atribuições do Conselho de Finanças Públicas nesta dimensão para pensar mais a prazo as políticas públicas?

* O livro “A(s) Problemática(s) da Natalidade em Portugal: Uma Questão Social, Económica e Política” foi editado pelo ICS Imprensa de Ciências Sociais.

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