Há notícias a saudar no campo da saúde. No dia 24 deste mês foi aprovada a carreira dos técnicos de emergência pré-hospitalar que, em nome do XIX Governo, eu tive a felicidade de conseguir negociar e acordar. Ficam a faltar as carreiras dos farmacêuticos hospitalares, nutricionistas/dietistas, psicólogos clínicos e técnicos de diagnóstico e terapêutica. Espero que estejam para breve, pelo menos as que já foram publicadas no BTE em 2015.

Mas há mais boas notícias. Na entrevista, publicada no jornal Expresso no dia 19, o ministro da Saúde finalmente começou a revelar, ainda que parcialmente, a verdade sobre o que nos reserva para a saúde. É importante que os ministros deste Governo passem a ter um discurso mais próximo da realidade, até porque dessa forma podemos almejar ao estabelecimento dos tão necessários consensos de regime. E a saúde é uma das áreas onde um entendimento entre as forças moderadas, da área da democracia social, é mais premente.

Lastima-se que na abertura do seu mandato, na precipitação própria de quem começou um exercício de governação sem verdadeiramente conhecer o setor que iria governar, o ministro tenha tentado ser mais uma espécie de “vingador justiceiro” ou de “anjo redentor”, anunciando a “boa nova” do “tempo novo”, do que um agente moderador, prudente e sincero. Teria ganho tempo e mais espaço de manobra. Mas, passado o choque inicial, terminada a euforia dos convites, geralmente muitos para o mesmo lugar, finda a pressa na colocação dos amigos e “primos”, eufemismo usado para designar os comunistas do BE e PCP, e já quase esgotado o discurso de culpabilização do passado, tudo indica que vamos ter “obra”. Obrinha, para ser mais correcto.

Já temos um Portal que, apesar de não fazer mais do que compilar toda a informação que já existia, é um instrumento útil, facilitador e cheio de potencialidades que deve ser saudado. É importante que se mantenha atualizado e é, sem dúvida, um marco perene. Também foi inteligente ter iniciado a tão desejada reforma hospitalar pelo inevitável encerramento do “hospital” da Régua. Souberam “aproveitar” bem as infeções da vetusta casa. Não perderam a oportunidade. Parabéns pela bravura.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Voltando à entrevista, ficámos a saber que não vai haver dinheiro para a introdução de novos medicamentos e nem é certo que o haja para os “velhos”, situação já evidente no Orçamento do Estado para este ano. É simples. A dotação orçamental para 2016, no que às operações de saúde diz respeito, é inferior à de 2015, fruto da diminuição de receitas e do aumento das despesas calculadas – retorno da dedução salarial dos funcionários públicos – e das não completamente calculadas – reposição das 35 horas e desconto das horas extraordinárias médicas no horário normal de trabalho. Ou seja, vai haver racionamento, tal como houve em 2010, o ano em que a dotação orçamental mais desceu na história do SNS (12%). O ano de 2014 foi aquele em que mais novas moléculas (23) viram o seu preço aprovado para o SNS. Duvido que 2016 possa ser melhor. Claro que vamos ter “ganhos de eficiência”, sabe-se lá onde ou como, e ainda mais combate à fraude. Estes caminhos já foram percorridos e, realisticamente, não julgo que haja muito mais para poupar por aí, mas quero estar enganado.

E, lembrei-me agora, vamos ter mais psicólogos, nutricionistas e médicos dentistas nos centros de saúde e, ainda, mais USF – que correspondem sempre a maiores gastos com pessoal e menor número de utentes por lista de médico -, mais lugares de cuidados continuados, embora não digam quantos, e obras, ainda que sem prazo firme para serem iniciadas. Tudo isto será muito bom, mas precisamos de saber se pode mesmo acontecer ou se vamos ficar por promessas. Tenho de ter a honestidade de reconhecer que também tive desejos que não pude realizar e alguns desses anseios foram lidos como promessas que não consegui cumprir – veja-se, a título de exemplo, a minha ideia de colocar mais 100 nutricionistas e dietistas no SNS que nunca consegui satisfazer. Daí a minha simpatia por este pobre ministro com um orçamento que é mais austero do que a austeridade da Tróika.

Também ficámos a saber que os medicamentos poderão ficar mais caros para os utentes, já que foi anunciada a possibilidade de haver uma taxa de serviço farmacêutico. Não é uma má ideia, é uma conhecida pretensão da ANF. Poderá ser um caminho para ajudar a sustentar as farmácias que são um componente essencial do sistema de saúde português. Mas, convém repetir, essa sustentação será feita à custa dos clientes, o que está de acordo com o princípio do utilizador–pagador de que a esquerda tanto gosta. Ou não?

Soubemos que o ministro acredita na solução do problema de falta de médicos no interior – nos profundos confins da cordilheira de Sintra – através de um tipo de pagamento em espécie. Não vão ganhar mais, mas poderão progredir mais depressa na carreira, já que ter estado na imensidão da selva urbana dos arrabaldes de Lisboa lhes conferirá atributos clínicos bem superiores aos dos médicos que tiveram a possibilidade de ficar no conforto das cidades principais, por força de terem obtido melhores classificações no concursos que os colocaram. E se for lá longe, no “sertão” do Barlavento Algarvio, imagino que se deva chegar a graduado sénior em seis meses. A verdade é que, sem mais dinheiro, não se poderá dar mais do que já foi dado em incentivos nos últimos anos. A verdade é dura quando se passa da propaganda aos actos.

Tomámos boa nota, como se diz na diplomacia, de que o SNS, no entender do nosso ministro, poderá não ser sustentável. Ficámos a saber que o ministro, antes mesmo de conhecer o que pensará o grupo de trabalho que nomeou, já tem uma ideia sobre a mutualização da ADSE. Ainda bem que começou a expressar ideias concretas que podem ser boas. Vejamos se não as adia ou se não vai alinhar com os seus correligionários que entendem haver uma enorme injustiça na possibilidade de alguém poder, voluntariamente, pagar por uma vantagem adicional. Socialistas que se prezem nivelam por baixo e esses, já o disseram, querem acabar com a ADSE que, no entender deles, só ajuda o ilegítimo negócio dos privados. Todavia, duvido que a sustentabilidade do SNS aumente quando tiver de receber todos os que agora podem, ainda bem, optar por um serviço do seu agrado e, dessa forma, descongestionar as filas de espera dos nossos hospitais.

Em termos de promoção da saúde teremos um programa de literacia, conceito bem imaginado, mas ainda só feito de intenções plasmadas em legislação. Merece ser aprofundado, bem desenvolvido e apoiado por todos os interessados nas causas saudáveis. Na prevenção, ainda só conhecemos a vontade, já antiga, de reduzir o conteúdo de açúcar dos pacotinhos do café. Também, apesar de não ser medida de grande eficácia no combate à diabetes e obesidade, é uma boa ideia, daquelas possíveis quando o orçamento para os programas prioritários de saúde é, em 2016, igual ao do ano anterior. Lá se foi a aposta na prevenção… Com certeza que vão usar os aumentos do IVA, os do Plano B, para fazer o que não foi ainda feito, como aumentar o IVA do vinho ou igualar a taxa das manteigas com a das margarinas. Ou, quem sabe, uma britânica taxa sobre refrigerantes adocicados? Desejo-lhes, aos da saúde, boa sorte. Baixar o IVA dos ginásios já foi coisa de atlético PM. Não será o caso.

Ironias à parte, é claríssimo que continua a existir um problema grave de subfinanciamento do SNS. A União Europeia alertou, já este ano, para a necessidade de repor o financiamento do SNS em, pelo menos, 6,9% do PIB – a média europeia – quando ainda estamos abaixo dos 6%. Virada a página da austeridade, assim nos anunciaram os governantes da patriótica esquerda, deveríamos ter assistido a um reforço significativo do orçamento para a saúde. Não foi assim. Bem pelo contrário, os hospitais e centros de saúde vão ter menos dinheiro para pagar contas e mais despesas com pessoal. Chegados a este ponto, num País com envelhecimento acentuado que é acompanhado de uma das mais baixas perspectivas de anos vividos com saúde, vai ser preciso uma enorme união de esforços, muita racionalidade, bom senso, combate ao clientelismo político, apresentação de propostas realizáveis, coragem e verdade, para que o nosso SNS continue a ser o grande pilar de desenvolvimento e coesão social que é hoje.

Se o Governo se for aproximando de um discurso honesto e de uma praxis séria tornar-se-á possível, aos Partidos e à sociedade, apresentar soluções alternativas conducentes à melhoria da saúde em Portugal. O muito que se fez no período do Memorando de Entendimento, vulgarmente conhecido pelo “resgate”, tem de ser continuado e melhorado. As reformas continuarão a passar por conversas abrangentes sobre o modelo de financiamento, o montante de despesa pública em saúde, a abrangência tecnológica disponível no SNS, a responsabilização dos cidadãos, a medição dos impactos das políticas públicas na saúde, a revisão do sistema de comparticipação dos medicamentos, a remunerações dos profissionais, a maior interdependência e polivalência das profissões da saúde, o papel dos sectores social e privado e a complementaridade de um seguro público.

Acima de tudo, é fundamental que não se destrua tudo o que foi feito e não se adie o que é inevitável. Por um lado, a oposição terá de apresentar propostas e contribuir para os resultados de forma determinada e numa postura de combate ao populismo e à demagogia. Por outro lado, para tornar possível a mudança, é fundamental que quem nos governa perceba que governar a saúde não é apenas um exercício contabilístico, nunca foi, mas também não é uma campanha eleitoral antecipada ou um concurso de popularidade.

Ex-ministro da Saúde