O caso recente das falsas licenciaturas, que envolveram dois responsáveis políticos, lançou o debate sobre o comportamento daqueles que na vida pública recorrem à mentira para obterem benefícios ou vantagens. Esses benefícios podem nalguns casos ser meramente simbólicos, levando os autores a recorrer à mentira, para de uma forma pueril poderem suscitar a admiração dos outros, através de qualidades que na realidade não possuem.

Em psicopatologia, designa-se por pseudologia fantástica quando o indivíduo descreve de forma exaustiva ou pormenorizada determinadas situações ou experiências, produto da sua imaginação ou fantasia, como se tivessem sido reais. Esta situação corresponde a uma paramnésia (patologia da memória). Se for confrontado com a realidade o indivíduo pode reconhecer a falsidade do seu relato, mas é provável que compulsivamente venha a criar novas mentiras. Este é um motivo pelo qual estas personagens devem ser erradicadas de cargos públicos.

Por outro lado, parece que há cada vez mais pessoas, em lugares de grande responsabilidade, com graves alterações de memória. Tem havido muitos indivíduos afetados por esta “patologia”, levando-nos a crer que a situação possa ser epidémica; basta lembrar o testemunho de alguns dos intervenientes nas sessões de inquérito na Assembleia da República, sobre o caso do colapso do banco BES, para ficarmos alarmados com a extensão do fenómeno.

A mentira é uma das maiores fraquezas humanas e talvez seja o defeito com consequências mais devastadoras na vida do indivíduo. Através da mentira destroem-se casamentos, quebra-se a confiança nas relações pessoais e profissionais, criam-se enormes injustiças, e nalguns casos cometem-se autênticos crimes. Por outras palavras, a mentira é muitas vezes o primeiro passo numa escala degressiva que acaba por levar o indivíduo à autodestruição.

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Um fenómeno que raramente ocorre na vida pública é o pedido de desculpas. O reconhecimento público de um erro deve ser considerado como um sinal positivo para a sociedade. Convém lembrar (pois raramente se afirma isto publicamente, fora de um contexto moral ou religioso) que a humildade é uma virtude humana, e a humilhação redentora de pedir desculpas públicas, perante um erro cometido, deve ser vista como um gesto digno e nobre. A demissão, como reação à identificação de uma mentira ocorrida no exercício de um cargo público, não é suficiente. Exige-se também um pedido de desculpas. Esta incapacidade humana, muitas vezes alimentada por um egoísmo narcísico, elimina uma necessidade fundamental na vida social: a reconciliação. Por isso é preciso ensinar as crianças a reconhecer os erros e a pedir desculpa. Este hábito compassivo deve ser mantido na vida adulta.

Vivem-se tempos estranhos na nossa sociedade. Há sinais de decadência, em grande parte motivados por um relativismo moral que tem sido alvo de uma enorme idolatria. Só deste modo se pode compreender que existam personagens políticas, com evidências de comportamentos patológicos, nomeadamente de mentira compulsiva, que continuam a ocupar o espaço público. Conseguem aceder constantemente aos meios de comunicação social, obtendo a atenção pública para as suas declarações, numa farsa tolerada, como se nós não soubéssemos que uma grande parte daquilo que é dito é mentira. Maquiavel tentou explicar o fenómeno, referindo que os homens são tão ingénuos e tão conformados com as necessidades presentes que quem engana encontrará sempre quem se deixe enganar. Mas há indícios que a explicação possa ser outra. O contributo vem através de Machado de Assis no seu livro O Alienista: “A loucura, objeto dos meus estudos, era até agora uma ilha perdida no oceano da razão; começo a suspeitar que é um continente”.

Médico Psiquiatra