Num momento em que tanto se discute o financiamento às instituições de ensino superior, é igualmente importante discutir a qualidade, como a garantir e, principalmente, como a melhorar.

Mas as preocupações com a qualidade no ensino superior não são novas. Foi sobretudo a partir dos anos 90 que a lógica de prestação de contas se tornou inseparável do ensino superior e que as preocupações com a qualidade se tornaram mais visíveis e relevantes para as instituições, para o governo e para a sociedade em geral. A necessidade de garantir a eficiência económica das instituições dadas as restrições de recursos, a crescente regulação do ensino pelo mercado e a sua massificação obrigaram as instituições a justificarem as despesas de fundos públicos e a demonstrarem a boa aplicação dos mesmos.

As pressões vêm, simultaneamente, de dentro e de fora das instituições. Internamente, as pressões são exercidas pela gestão de topo e intermédia, sobre académicos e não académicos, que são encorajados a ‘fazer mais com menos’. Externamente, as pressões são, sobretudo, exercidas pelas entidades financiadoras e pela Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior.

É neste contexto que as instituições, influenciadas pelos desenvolvimentos europeus e nacionais, têm desenvolvido um conjunto de políticas e práticas sistematizadas de gestão de qualidade e, concretamente, sistemas internos de gestão de qualidade (SIGQ). No entanto, tais políticas e práticas não são isentas de críticas e resistências, vindas sobretudo de académicos e estudantes. Na génese desta resistência estão tipicamente alguns ‘conflitos’ para os quais as instituições deverão encontrar soluções, procurando um equilíbrio a seis níveis.

Primeiro, entre as principais ‘forças’ do sistema: as instituições, o governo e a sociedade. Depois, entre as diferentes partes interessadas, com as suas diferentes necessidades e expectativas. Em terceiro, entre a conformidade com normas e orientações europeias, e as particularidades do sistema nacional de ensino superior, por um lado, e das instituições de ensino superior nacionais, por outro lado. Em quarto, entre uma abordagem institucional e uniformizada e uma abordagem multifacetada e diversificada à gestão da qualidade, o que significará construir uma cultura institucional de qualidade, mas nunca excluindo as diferentes identidades dentro das instituições, nomeadamente, as especificidades inerentes às diferentes áreas científicas, aos diferentes departamentos e/ou às diferentes escolas. Em quinto, entre os ‘custos’ de práticas exigentes e morosas, e os seus potenciais ‘benefícios’, o que poderá e deverá implicar a discussão em torno da excessiva padronização e burocratização de procedimentos, e eventualmente sobre procedimentos alternativos, mais ‘leves’, menos ‘penosos’ e mais próximos da ‘linguagem’ e da ‘cultura’ do ensino superior. Por fim, em sexto, entre a lógica da prestação de contas e da regulação, por um lado, e entre a melhoria da qualidade, por outro.

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Aqui jaz um dos problemas essenciais. Os SIGQ servem um fim, que não deve ser (ou pelo menos, não deve ser só) o da prestação de contas e o do cumprimento de normas e orientações externas (com vista ou não a uma certificação). Deve, acima de tudo, ser o da melhoria da qualidade das instituições e das suas actividades. Ou seja, os SIGQ deverão procurar contribuir para essa melhoria. Como?

Desde logo, funcionando como sistemas coerentes e articulados, alinhados com a estratégia institucional, e que pensem a instituição como um todo, tendo em conta os seus diferentes níveis e ‘missões’: o ensino e a aprendizagem, mas também a investigação e o desenvolvimento e, cada vez mais, a relação com a sociedade e o contributo para o desenvolvimento local e regional, para a inovação e para o empreendedorismo. Quando pensamos em qualidade, teremos que pensar na qualidade de todas estas ‘missões.’

Depois, envolvendo as pessoas: os académicos, os não académicos, os estudantes e todas as partes interessadas externas às instituições. Ninguém aceitará e apoiará SIGQ superiormente impostos, cujo desenvolvimento e construção não integrou, e sem que perceba nem como funcionam nem para que servem.

É essencial que as pessoas e as instituições olhem para esses sistemas não como um fim em si mesmos, mas antes como um meio para atingir um fim. As instituições não devem viver para os SIGQ, mas antes viver melhor por conta deles.

Maria João Manatos é doutorada pelo ISEG-UL e investigadora do CIPES

‘Caderno de Apontamentos’ é uma coluna que discute temas relacionados com a Educação, através de um autor convidado.