A recente proposta de estatuto do pessoal com funções policiais da PSP veio apenas confirmar aquilo que outras iniciativas legislativas do Governo nos deixavam há muito antever: há um desinvestimento claro e, acima de tudo, perigoso, na Polícia de Segurança Pública.

Comecemos pelos orçamentos de Estado. As rubricas do orçamento da PSP que não se destinam a despesas com pessoal descem de forma mais ou menos significativa em 2015, o que não acontece, por exemplo, com a GNR. O investimento em viaturas e instalações nas duas grandes forças de segurança é muito díspar, pois a PSP terá apenas 2,2 M€ para comprar viaturas, enquanto a GNR terá mais do dobro, cerca de 4,5 M€. Ao nível de instalações, entre 2011 e 2014, foram gastos na PSP 12,4 M€, enquanto na GNR o valor é, de novo, mais do dobro, com cerca de 29,5M€ investidos.

O mesmo acontece ao nível dos recursos humanos. Entre 2011 e 2014 a PSP perdeu cerca de 750 polícias. Durante esta legislatura ingressaram apenas 474 polícias nos quadros da instituição, ao passou que a Guarda, no mesmo período, viu engrossadas as suas fileiras com a entrada de 1388 novos militares. As admissões na PSP, além de escassas, são ainda partilhadas com as Polícias Municipais, às quais terão que ser cedidos 135 dos seus 300 novos agentes, cuja formação se deverá iniciar em breve.

Tão ou mais preocupante que estes números é o facto de o Governo se conformar com a diminuição do efetivo das forças de segurança, conforme se pode ler nas Grandes Opções do Plano para 2015 (Lei n.º 82-A/2014, de 31 de dezembro), onde se refere que “apesar de as novas entradas não compensarem totalmente as saídas ocorridas e previstas (…) tal não afetará a capacidade a capacidade operacional das forças de segurança…”, tentando depois justificar-se a falta de renovação dos quadros da polícia com a adoção de “novos modelos de policiamento” (?) e com a “reorganização dos dispositivos policiais”, cujo resultado é, diga-se, pouco mais que insignificante.

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Tenhamos presente: se Portugal é um dos países mais seguros do mundo, tal deve-se sobretudo à ação das suas forças de segurança. Com menos polícias haverá menos segurança. Portanto, a diminuição de efetivos e a falta de renovação dos quadros da PSP afeta a sua capacidade operacional, como é evidente.

Neste contexto, naturalmente que não espanta a apresentação de um estatuto de pessoal onde a nota dominante é a desvalorização dos recursos humanos. Com o pretexto do regime de convergência com a LTFP, o Governo cria uma proposta onde converge polícias com funcionários públicos em matérias que estão claramente fora da alçada do disposto no artigo 2.º, n.º 2 da referida Lei Geral (Lei 35/2014, de 20 de junho), não materializando minimamente a especificidade da condição policial.

Sem prejuízo de as negociações servirem para apresentar propostas, os polícias estavam à espera de um documento que enfatizasse, desde logo, um regime de carreiras especial, uma compensação pelo risco acrescido decorrente do desempenho da missão policial (que no caso da PSP se agrava por ser, no contexto da segurança interna nacional, a força de segurança responsável pelo maior número de ocorrências e pelas mais complexas) e que consagrasse de forma taxativa o que se entende por condição policial, que não se poderá materializar apenas num acréscimo de deveres, como se verifica na proposta ora apresentada.

Os Oficiais da Polícia de Segurança Pública estão particularmente preocupados com a desvalorização do trabalho e da função policial, suscetível de colocar em causa os níveis de competência e enquadramento necessários para o funcionamento da instituição e, bem assim, para o desempenho de funções de grande complexidade e exigência como aquelas que uma instituição com mais de 20 mil profissionais exige. Funções estas que, recordamos, são executadas num contexto em que a taxa de enquadramento e a capacidade de “pensar” a instituição estão reduzidas a mínimos insustentáveis, algo que esta proposta pretende ainda agravar de forma substancial.

Verificamos, pois, um desinvestimento em toda a linha na Polícia de Segurança Pública, que preocupa naturalmente todos os polícias e, em especial, os Oficiais, que a dirigem e comandam. E tudo isto num contexto internacional onde, na área da segurança, os desafios e ameaças aconselhariam um rumo inverso.

Poderá dizer-se, em abono deste Governo que, pelo menos, há uma certa coerência nestas medidas adotadas em relação à PSP. São todas más.