A grande fortaleza do regime democrático, sendo simultaneamente a sua maior fraqueza, é a possibilidade da convivência de ideias e de pensamentos díspares sem supremacia de um qualquer sobre os demais.

Numa democracia, os órgãos de natureza política e representativa são eleitos através de eleições livres e periódicas, sendo a sua constituição reflexo das diferentes ideologias existentes na sociedade. Não existem partidos políticos donos do regime democrático, nem a democracia é suscetível de ser condicionada ou apropriada por uma qualquer força político-partidária. Nenhuma tem essa legitimidade. E mal vai a democracia quando tal aconteça.

Não raras vezes, tiques de pretensos democratas vêm ao de cima, arrogando-se quem deles sofre do direito de catalogar, amordaçar e até de perseguir todos quantos exercem o direito – veja-se a heresia – de defender uma ideia ou um pensamento minoritário ou que não se encaixa no índex oficial. Criou-se a ideia de que o direito fundamental à liberdade de expressão tem uma amplitude maior ou menor consoante quem dele faz uso. Para uns, deverá haver restrições ao seu exercício, para outros uma total liberdade para opinarem, muitas vezes ferindo as regras do bom senso ou até a inteligência de quem os escuta. E o critério é só um: o que se diz constar da lista de opiniões consideradas aceitáveis pelos autoproclamados proprietários da democracia.

Sempre que alguém é impedido de dizer o que pensa mata-se a democracia. A mordaça é apanágio das ditaduras, não dos regimes assentes na dignidade da pessoa humana e no princípio do Estado de Direito democrático. Numa democracia madura não há revisionismos históricos e toda a sua história deverá ser estudada e assumida tal como foi. Em Portugal, tivemos os Descobrimentos, Colonialismo, Inquisição, Monarquia, República, Ditadura Militar, Estado Novo e Revolução de Abril de 1974. Em Portugal tem de se poder falar em Salazar e em Cunhal sem medo e sem restrições. Existiram, foram atores da nossa vida política e moldaram o pensamento de muitas gerações. Apagar a memória, seja de quem for e do que for, alimenta a curiosidade, funcionando em sentido contrário ao desejado. Não tenhamos medo das ideias, nem da democracia.

Para um verdadeiro democrata valem ainda hoje as palavras proferidas por Voltaire no Séc. XVIII: “Não estou de acordo com aquilo que dizeis, mas lutarei até ao fim para que vos seja possível dizê-lo”.

Professor Universitário

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