Há um mês, Theresa May liderava destacada e confortavelmente as sondagens e tudo parecia tornar-se uma suave caminhada de volta para o Nr 10. Corbyn parecia condenado a uma desastrosa prestação dos trabalhistas que se converteriam em mais um PASOK. O tema do Brexit, sendo ambíguo e complexo para eleitorado e candidatos, não era sequer tema que mobilizasse eleitores numa ou noutra direção.

Num mês tudo mudou, embora provavelmente não o suficiente para mudar o desenlace desejado por May. O que mudou radicalmente foi o excesso de confiança na vitória de May (que, repito, provavelmente não escapará) e mudou a certeza de que Corbyn e o Labour seriam enterrados hoje.

Mudou porquê? Essencialmente porque May é uma péssima candidata em campanha e porque os Conservadores anunciaram um conjunto de propostas que enfureceram o eleitorado mais idoso. As propostas ficaram conhecidas por dementia tax e passam sobretudo por pôr os idosos a pagar mais pelas suas despesas de saúde. As alterações propostas colocam toda a gente que tenha bens de valor superior a 100 000 libras a pagar as suas despesas de saúde. Anteriormente o valor limite era substancialmente menor, mas o património não tinha em consideração a residência própria para o cálculo do limite. Agora sim, o que coloca um número enorme de idosos em situação de ter de pagar pelas suas despesas de saúde, muitos deles literalmente obrigados a vender a casa para pagar despesas galopantes. Os efeitos económicos deste anúncio são interessantes, com muitos idosos a assegurar que preferem então não poupar para a velhice, uma vez que o esquema agora sugerido privilegia as cigarras e castiga as formigas. Como sempre, aliás…

Só isto foi o suficiente para os Conservadores ficarem numa situação muito menos confortável nas sondagens. O que significa que uma parte significativa do eleitorado idoso se afastou da auto-proclamada campeã do Brexit e ponderou inclusivamente, em determinada altura, virar a eleição de hoje do avesso.

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Ora recordemo-nos que foi o eleitorado idoso que deu a vitória ao Brexit no ano passado e isso foi entendido por May, que já recuou em muitas destas propostas.

Mas vamos ao meu ponto: a virar estas eleições seria a terceira vez que uma surpresa colossal aconteceria em cerca de um ano, depois do Trump e do Brexit. Comum a estes 3 casos (ou dois casos e um cenário) um ponto comum: é o eleitorado mais idoso que faz a diferença e determina o resultado. Parece assim haver uma clivagem de opiniões com o eleitorado jovem a votar de uma forma e o eleitorado idoso a votar de outra.

Ora isto é socialmente uma situação perigosa, porque uma clivagem política normalmente cria uma clivagem económica.

Já agora, eu não me esqueço que, com 45 anos, rapidamente – daqui a 4 ou 5 legislaturas – chegarei à categoria dos eleitores idosos, tendo abandonado o grupo dos jovens há 4 ou 5 legislaturas atrás…

Na prática, a continuar este padrão e como o que vai sobrando para pensões e rendas económicas dos idosos é cada vez menos, os idosos serão (seremos) mais e mais ativos na participação eleitoral e mais enérgicos nas chamadas “escolhas de trincheira”, escolhas que implicam um agarrar-se a direitos e benefícios que vêm de trás. A (nossa) lógica vigente será: os jovens terão oportunidade e tempo para recuperar os seus próprios direitos, ou eles que defendam igualmente os seus direitos desta forma quando chegar a sua vez. É já assim que parecem pensar os eleitorados americanos e britânicos, que preferem Trump, Brexit e o protecionismo paternalista.

É engraçado comparar este padrão com o padrão etário que elegeu Macron em França: foi entre os eleitores mais jovens e os mais idosos que a mensagem de Macron melhor passou. O resultado de Macron foi por isso tão confortável, porque a clivagem geracional não aconteceu.

E essa é a minha conclusão: é urgente encontrarmos soluções de discurso político que reconciliem objetivos entre gerações. Não sei como fazer isto, mas antecipo que, caso não se encontre uma solução no discurso político dentro de alguns anos, a democracia continuará a afastar cada vez mais os jovens, ficando as eleições para os velhos. O conflito entre gerações será então inevitável e com a pirâmide demográfica inclinada a favor dos idosos (nessa altura, já direi “a nosso favor”), aos jovens não restará outra alternativa senão usar a força, culpando precisamente a democracia de ser apenas demografia.

Professor Auxiliar da Católica-Lisbon School of Business and Economics