Após quase uma década de crises múltiplas e sucessivas, o otimismo começa agora a regressar à Europa. Os cidadãos europeus voltam a reconhecer as vantagens de se manterem unidos perante as perturbações societais e globais. Muitos acham que se trata de uma reação ao que se passa do outro lado do Canal da Mancha e além-Atlântico. Isto só em parte é verdade. Se alguém tinha curiosidade em conhecer as consequências da saída da Europa ou do enfraquecimento do multilateralismo tem agora a possibilidade de apreciar os seus resultados.

Contudo, existem, pelo menos, dois outros fatores que foram determinantes para a recuperação da confiança no projeto europeu. Em primeiro lugar, o programa de reformas construtivas da UE tem vindo a surtir efeito. Recentemente, a zona euro e a UE em geral registaram o mais elevado nível de emprego jamais alcançado. O investimento tem vindo a aumentar e o crescimento económico deverá ser o dobro do dos Estados Unidos. Em segundo lugar, a Europa tem tido sorte com os seus dirigentes, os quais nas recentes eleições nacionais não recuaram perante o populismo e mantiveram-se firmes na defesa da democracia, das reformas… e da própria Europa. Esses dirigentes beneficiaram do apoio de movimentos cívicos progressistas, como o Pulse of Europe, que procuram defender o ideal da Europa em todo o continente.

Regressemos agora a setembro de 2016 e ao discurso anual sobre o Estado da União proferido pelo Presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, quando anunciou a publicação iminente de um Livro Branco sobre o Futuro da Europa. Três meses apenas após o Reino Unido ter tragicamente decidido abandonar a União Europeia, essa intenção do Presidente foi por muitos considerada demasiado audaciosa e condenada ao fracasso pois o continente parecia estar numa espiral descendente. Quando foi publicado, em março de 2017, poucos dias antes de o Reino Unido acionar o artigo 50.º, iniciando assim o processo para a sua saída da União Europeia, o Livro Branco permitiu, contudo, que nos focássemos na construção de um futuro comum para os restantes membros. Por esse motivo, é muitas vezes considerado como a «certidão de nascimento» da UE a 27.

Hoje – à medida que a recuperação se consolida e que a ameaça do populismo parece ter sido afastada, pelo menos por agora – o debate sobre o futuro da Europa não pode deixar passar a oportunidade de tirar partido deste período de esperança renovada. Com base na nossa experiência anterior, o pior que poderíamos fazer perante o regresso da confiança seria adiarmos as decisões e deixarmos tudo como está. Existe hoje a forte convicção de que os europeus estão dispostos a investir no nosso projeto comum, agora que já vislumbraram quais seriam as possíveis alternativas. Muitos Estados-Membros e outros interessados deram-se conta de que a desintegração, a democracia iliberal e o populismo não só constituem promessas vãs como podem ser extremamente perigosos para as tradições democráticas, a liberdade e a tolerância laboriosamente construídas ao longo das últimas décadas, as quais muitos de nós consideramos muitas vezes como absolutamente garantidas.

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Isto não significa, de modo algum, que a Europa não deva mudar. Acontecimentos como o Brexit e a eleição de Donald Trump podem contribuir momentaneamente para nos proporcionar um renovado sentimento de pertença. Contudo, a mais longo prazo, a Europa só poderá prosperar se conseguir revitalizar e legitimar o seu próprio projeto.

O Livro Branco tem duas partes igualmente importantes. A primeira incide sobre as tendências a longo prazo que irão moldar o futuro da Europa, desde as inovações tecnológicas até à era da mobilidade e à busca de segurança num contexto caracterizado por novas ameaças. A segunda expõe cinco cenários possíveis para a Europa em 2025. Desta vez, a Comissão optou por não se limitar a apresentar uma única alternativa estratégica, como tão frequentemente sucedera no passado. Isto não se deveu apenas ao facto de o Livro Branco ter sido publicado no auge da campanha eleitoral em muitos países europeus. Deveu-se igualmente à convicção de que a Europa se encontra perante uma série de escolhas políticas fundamentais sobre o caminho a tomar quanto à futura integração, discussão essa que não pode ser evitada ou decidida à porta fechada. A Comissão também não pode arrogar-se o direito exclusivo de saber qual será o melhor caminho a seguir. Precisamos de travar um debate a nível da UE, associando os cidadãos através de novos meios, e garantindo que a sua voz seja ouvida.

A fim de contribuir para esse processo, o Livro Branco foi complementado por uma série de documentos de reflexão sobre questões de caráter estruturante para o futuro da Europa. A dimensão social, a globalização, a defesa, assim como o futuro da UEM e das finanças da UE, poderão assumir diferentes formas na Europa de 2025. É importante que as escolhas possíveis, assim como os inevitáveis compromissos, sejam amplamente debatidos e bem compreendidos por todos. A opção por traçar diferentes cenários permitiu afastar os debates muitas vezes simplistas e binários do passado: somos contra ou a favor, queremos mais ou menos Europa? Este novo vocabulário mais rico em matizes e que foi introduzido pelos diferentes cenários já permitiu melhorar o debate político e tornar as discussões mais construtivas e centradas naquilo que a UE27 pretende alcançar em conjunto – ou separadamente – nos próximos anos.

É evidente que só vale a pena procedermos a uma reflexão se esta, em última análise, tiver possibilidade de se traduzir em decisões concretas. Esse momento está a aproximar-se. Não compete à Comissão condicionar as escolhas políticas que os dirigentes da UE terão de fazer ou que as diferentes opiniões públicas acolherão mais favoravelmente. O que nos propomos fazer nos próximos meses é prosseguir dois objetivos. Por um lado, vamos apresentar versões mais pormenorizadas dos cinco cenários traçados quanto ao futuro da Europa, com dados concretos sobre o que cada um implica e como podem ser atingidos. Mais uma vez, queremos fazê-lo de uma forma neutra, sem favorecer ou desfavorecer qualquer cenário. Por outro, vamos apresentar igualmente uma estratégia para tirar partido da confiança renovada na Europa, a fim de podermos prever melhor e centrar as políticas nos desafios a longo prazo, em vez de nos limitarmos a reagir a crises que poderiam – e deveriam – ter sido antecipadas.

O Presidente Juncker tenciona aproveitar o discurso sobre o Estado da União do próximo mês de setembro para apresentar as novas iniciativas relacionadas com o processo do Livro Branco. A Comissão tenciona exercer plenamente o seu direito de iniciativa, estando absolutamente consciente da tendência que poderá prevalecer para a manutenção do status quo. Essa solução constituiria, contudo, uma interpretação muito errónea das opiniões dos cidadãos e prejudicaria igualmente a própria União Europeia. Manter um debate público à escala da UE, informado e orientado para o futuro, constitui não só uma manifestação saudável de democracia como é igualmente a melhor forma de garantir que são definitivamente afastados os demónios da divisão e do populismo.

Diretora e diretor-adjunto do Centro Europeu de Estratégia Política. As opiniões expressas são as dos autores e não correspondem necessariamente às da Comissão Europeia.