Quando nalgum colóquio perguntei quando foi criada a Universidade portuguesa, a assistência respirou de satisfação e orgulho pela ancestralidade da mesma. A primeira Universidade portuguesa é de Coimbra, fundada em 1290.

A seguir fiz a pergunta de qual a primeira Universidade do mundo. A audiência começou a ajeitar-se na cadeira, inquieta e de olhos baixos, aparentando compenetração… não fosse eu disparar a pergunta a quem levantasse o olhar, se tinha algum palpite…

E a surpresa: a Índia? Sim, a Universidade de Takshashila, ou Taxila, teve uma existência pujante entre os séculos 6 A.C. e 5 D.C., no reino de Gandahar, no local onde actualmente fica o Punjab, no Paquistão.

Com a idade mínima de 16 anos para a frequentar, aí se ensinavam 68 matérias diferentes, dizem, chegando a ter mais de 10.000 estudantes, vindos da Babilónia, Grécia, Síria, China, e de diversos locais da península hindostânica.

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Mestres com grande saber ensinavam os vedas, línguas, gramática, filosofia, medicina, cirurgia, tiro de arco, política, estratégia da guerra, astronomia, contabilidade, comércio, documentação, música, dança, arte da representação, futurologia, ciências ocultas, cálculos matemáticos complexos, etc.. O elenco de professores famosos integrou: Kautilya (1), Panini (2), Jeevak (3), Vishnu Sharma (4), entre muitos outros. Assim, o conceito de Universidade abrangente, com altura intelectual e científica, integradora de conhecimentos, veio precisamente da Índia.

Outra Universidade antiquíssima situou-se no atual estado de Bihar, a Universidade de Nalanda, em atividade por mais de 7 séculos, dos anos 400 a 1200 da nossa era. Desapareceu em consequência de atos de barbárie que queimaram tudo, reduzindo-a a cinzas.

Universidade de Nalanda (Índia)

Nalanda, em sânscrito, significa: que dá conhecimentos, de Nal e Da. Foi fundada por Kumargupta do reino Gupta, na idade de ouro da antiga Índia. Ensinava: astronomia, astrologia, cirurgia, medicina, cosmologia, química, metalurgia, arquitetura, cálculo, álgebra, trigonometria, geografia, ayurveda, teologia, lógica, filosofia, etc..

Foi a primeira Universidade residencial, com 108 unidades de 30 quartos cada uma, e estes com estante para livros, água potável, etc.. Tinha a maior biblioteca do mundo da época. Formaram-se nela pessoas como Aryabhatta, Varahmihira, Kalidasa, Vatsyayana, etc..

O ensino, a estadia e a alimentação dos estudantes eram gratuitos. Havia patrocinadores que valorizavam o saber e se dispunham a custeá-lo. A Universidade foi reduzida a cinzas por bárbaros que lhe puseram fogo e a queimaram.

A sua atuação pelos séculos granjeou fama. O seu campus teria 1,7×0,85 kms de extensão, com 300 salas de aula com bancos de pedra; dispunha de laboratórios e outras facilidades, entre elas uma torre de observação e pesquisa astronómica. E uma ampla biblioteca designada por Dharma Gunj, ou Montanha do Saber, ocupando três edifícios.

O exame de admissão seria muito exigente, entrando apenas três em cada dez estudantes. Testemunho importante é o do viajante chinês Hiuen Tsang, foi estudante e mais tarde professor em Nalanda e escreveu no seu diário: havia 10.000 estudantes e 200 professores.

Qualquer destas duas Universidades não teve continuidade até aos nossos dias. Mais recentemente, há cerca de cinco anos, reanimou-se a de Nalanda, no local da antiga Universidade, num campus de 190 hectares, tendo contado como seu primeiro Chanceler o Prémio Nobel Amartya Sen.

A tradição universitária teve consequências importantes no pioneirismo e desenvolvimento das ciências, da matemática, da medicina, da astronomia, da trigonometria, etc., como se indica na breve amostra seguinte:

  • A Índia inventou o sistema numérico. O sistema que valoriza a posição do número, o sistema decimal, foi desenvolvido por volta do ano 100 D.C.;
  • Aryabhatta, que inventou o zero, foi o primeiro a explicitar a forma esférica, dimensão, diâmetro e rotação da Terra, no ano 499.
  • Ayurveda é a mais antiga escola de medicina conhecida. Charaka, o pai da medicina, consolidou Ayurveda há 2.500 anos.
  • Em Siddhanta Siromani (Bhuvanakosam 6), Bhaskaracharya II dava uma descrição da gravidade da Terra 400 anos antes de Sir Isaac Newton. Tinha noções claras sobre o cálculo diferencial e a teoria das fracções contínuas.
  • Bhaskaracharya calculou o tempo da órbita da Terra à volta do sol, centenas de anos antes do astrónomo Smart. O tempo calculado para a Terra orbitar à volta do sol era de: 365,258756484 dias.
  • O valor do pi foi calculado por Boudhayana, que também explicou o que conhecemos como Teorema de Pitágoras, no século 7 A.C. Este facto foi validado por académicos ingleses em 1999.
  • Maharashi Sushruta é o pai da cirurgia. Cerca de 2.600 anos atrás, ele e os cientistas da saúde realizaram complexas cirurgias como cesarianas, cataratas, próteses de membros, pedras nos rins e ainda cirurgias plásticas.
  • De acordo com o Gemmological Institute of America, até ao ano 1896 a Índia era a única fonte de diamantes no mundo. Descobriu-os e utilizou-os a partir do seculo IX A.C..

Há quem veja na atual atividade no domínio da Investigação e Desenvolvimento em campos vastíssimos, das tecnologias de informação e comunicação, da exploração do espaço, da energia nuclear, etc., como um reatar com as suas tradições intelectuais, interrompidas a partir das invasões e dominação colonial.

(1) Estadista indiano dos séculos IV e III A.C.; foi primeiro-ministro de Chandragupta Maurya, que fundou o Império Mauria (322-185 AC). Foi professor de ciência política e economia e escreveu o livro Arthashastra, onde reuniu as suas reflexões. (Cfr. Wikipedia).

(2) Autor do tratado ou gramática de Sanskrit escrito no séc. 6 e 5 A.C.. Este trabalho lançou o standard do Sânscrito clássico (Cfr. Enciclopédia Britânica).

(3) Jeevak Kaumarbhritya (525-450 A.C.), contemporâneo de Buda, foi o primeiro médico da história da Índia e do mundo (anterior a Hipócrates). Estudou na Universidade de Takshila, praticou medicina Ayurvedica e cirurgia, e curou Buda e gente simples ou importante (Ritesh Kumar Gupta, Google).

(4) Pensador e autor do Panchantra, uma coleção de fábulas com fins pedagógicos. Estima-se que o terá escrito no século III A.C.. É muito traduzido; na Pérsia, foi-o em 570 D.C. (cfr.YouSigma).

Eugenio Viassa Monteiro é professor da AESE-Business School e dirigente da AAPI-Associação de Amizade Portugal-Índia