Porque é que há quem defenda que os falecidos Sr. Américo Amorim e Eng.º Belmiro de Azevedo deveriam ter recebido um rendimento permanente pago pelos restantes portugueses? Ou porque é que, para que isso fosse possível, há quem defenda que os impostos pagos pelos portugueses devem aumentar, se necessário, para o dobro?

Não são perguntas fáceis de responder, mas a hipótese que me surge para o explicar é a ética igualitária, que hoje aparece a cada esquina da nossa sociedade a dizer que devemos caminhar progressivamente para uma situação de igualdade de rendimentos, sendo o Rendimento Básico Incondicional (RBI) mais um passo, decisivo, nessa direcção. Afinal, se já temos igualdade perante a lei ou de participação cívica, porque não ter também igualdade de rendimentos?

Na minha modesta perspectiva, nunca devemos ter igualdade de rendimentos. Por dois valores simples, mas fundamentais, que se devem sobrepor ao da igualdade: a justiça e a liberdade.

O conceito de justiça raramente se confundiu com igualdade económica. Platão ou Aristóteles associam-na ao mérito e apresentaram-na como característica do homem virtuoso. A moral Cristã nunca misturou a igualdade perante Deus com os rendimentos das famílias. Locke, Smith, Tocqueville e outros liberais clássicos trouxeram-nos a igualdade perante a lei mas sempre separada da propriedade e da livre iniciativa. Em todos esteve presente a preocupação com o bem estar das populações, incluindo o apoio aos mais necessitados, mas nunca a procura da igualdade.

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Do mesmo modo, Isaiah Berlin ou Friedrich Hayek tiveram sempre a preocupação de valorizar o que é bom em cada individuo, os seus atributos, o seu esforço, o seu mérito e as suas diferentes preferências, que conduzem naturalmente a níveis de rendimento desiguais, e ao mesmo tempo de desvalorizar o que é mau, os abusos de poder, os privilégios perante a lei ou o usa da força para benefício próprio, defendendo neste caso a igualdade das regras mas não dos rendimentos.

É fácil perceber porque é que justiça e igualdade económica não devem coincidir. A primazia da igualdade de rendimentos teria de ser imposta centralmente, afectando seriamente a margem de manobra individual que é característica das sociedades livres e descentralizadas e impondo um “colete de forças” que comprimiria a actuação de cada pessoa para o nível da mediocridade. O Rendimento Básico Incondicional é um exemplo desta imposição centralizada que vai contra a noção de justiça vigente há séculos e que é uma abertura para a generalização dessa mediocridade.

Mas houve quem confundisse justiça com igualdade. Autores como Rousseau ou Marx permitiram ou defenderam a coincidência entre igualdade económica e justiça, em nome de uma suposta vontade geral ou de determinismos historicistas. Ao fazerem-no, ficaram associados a alguns dos episódios mais bárbaros da História da humanidade.

Tocqueville, que presenciou os acontecimentos trágicos da revolução francesa, alertou os seus concidadãos para o perigo da igualdade se transformar num conjunto de regras mesquinhas, em que o RBI certamente se incluiria, que tolhem a liberdade necessária para a existência de um sistema democrático: “Mas também se encontra no coração humano um gosto depravado pela igualdade, o que impulsiona os fracos a quererem levar o forte ao seu nível, o que reduz os homens a preferir a igualdade na servidão à desigualdade na liberdade”.

Aldous Huxley e George Orwell, que presenciaram as macabras revoluções igualitárias do século XX, alertaram-nos para o perigo da presunção científica impor a igualdade, sempre mais para uns do que para outros, à liberdade de todos. Huxley apresenta um Admirável Mundo Novo em que o positivismo científico constrói uma ilusória felicidade entre iguais baseada em fármacos que fazem esquecer a liberdade, felicidade que em Orwell é supervisionada pelo “Big Brother”. Berlin e Hayek sentiram-no pessoalmente e expuseram o perigo que as utopias representam para a liberdade.

As utopias igualitárias resultaram na eliminação da liberdade com consequências extremamente negativas. Centenas de milhares de mortos em França, dezenas de milhões pelo mundo inteiro. O RBI é uma utopia igualmente perigosa pois abre o caminho para a distopia, pelo que em defesa da justiça e da liberdade deve ser enviado para arquivo morto.

O texto reflecte apenas a opinião do autor
Director do Gabinete de Estudos do Ministério da Economia